A sexta-feira 13 do mundo

A sexta-feira 13 do mundo

A humanidade experimentou o gosto amargo da derrota, não só pelo número de mortos em Paris, mas também pela magnitude dos atentados que colocam o multiculturalismo em xeque e soterram as esperanças de um mundo menos beligerante. Diante de tanta violência, os apelos pela paz soam até meio ingênuos, como as velhas cantigas de ninar. O mundo está em guerra, apesar da aparente sensação de paz em países distantes das zonas de conflito, como o Brasil. A lista de tragédias, genocídios, chacinas, execuções sumárias vai delineando uma guerra que explode em várias partes do mundo.

O século passado ficou marcado por duas grandes guerras, cujas cicatrizes não desapareceram. Apesar dos pedidos oficiais de desculpas, a rica Alemanha até hoje não se livrou do estigma do Nazismo. No final do Século XX, o mundo se livrou da Guerra Fria, mas não imaginava que a nova era seria marcada pela pulverização dos conflitos, que assumiram novos contornos, bem mais cruéis e sanguinários. Além da ideologia e das disputas econômicas, as guerras surdas da modernidade também abarcam a questão racial e religiosa. O nefasto cartão de visitas do século XXI foram os atentados de 11 de setembro de 2003 nos Estados Unidos. Em 2015, 12 anos depois, o terrorismo ataca Paris, o coração da Europa, e o modo de vida ocidental. As frequentes chacinas de pessoas inocentes mostram que, mesmo sem uma declaração formal, o mundo está em guerra.

Os grupos terroristas se multiplicam. Boko Haram, Al Qaeda, Taliban e agora o Estado Islâmico (EI) com suas táticas brutais, assassinatos em massa, sequestros e decapitações divulgadas pela Internet. No xadrez mundial da guerra, o Estado Islâmico tornou-se uma peça capaz de desequilibrar o jogo, instalando no mundo um clima de ódio e de medo. Analistas internacionais afirmam que o grupo terrorista controla, hoje, uma área de 90 mil km², abrangendo o Iraque, a Síria e uma parte da Jordânia, numa região onde vivem oito milhões de pessoas. Não há acordo possível com os membros do “EI” que faz uma interpretação extrema do Islã. Os militantes acreditam que são os únicos fiéis, os demais, muçulmanos ou não, querem destruir a sua religião.

As grandes potências mundiais agora pagam um preço alto pelos anos de incapacidade para resolução dos conflitos no Oriente Médio, na África e em outras regiões do mundo. O desfecho da guerra da Síria, um dos berços do Estado Islâmico, vem sendo empurrada com a barriga há quatro anos. Terroristas como Osama Bin Laden foram treinados pela CIA. Os conflitos que se espalham pelo mundo mantém viva a indústria de armas que prospera em países como os Estados Unidos.

Os atentados contra civis indefesos acontecem justamente em um dos momentos mais complicados da Europa que hoje está dividida sobre a política de migração, principalmente entre os refugiados de origem muçulmana. Agora, os olhos do mundo se voltam para a reação da França que integra uma coalização liderada pelos Estados Unidos para combater o Estado Islâmico na Síria e no Iraque. Que medidas tomará o governo francês? O que acontecerá com imigrantes de origem muçulmana que vivem na França e em outros países? Como atenuar a dor de pessoas que perderam familiares por conta de uma insana guerra religiosa e racial que não tem solução à vista? Os direitistas que pregam a expulsão de todos imigrantes terão mais força daqui para frente?

Até os atentados da sexta-feira 13 em Paris, o mundo ensaiava uma política multiculturalista para atenuar os efeitos da xenofobia e da desigualdade econômica. Há, na própria França, uma legião de imigrantes marginalizados na periferia de onde, inclusive, grupos terroristas recrutam militantes dispostos a morrer como homens-bomba. Essa será uma guerra sangrenta em que não haverá acordo e que só terminará com a extinção de uma das partes. Os terroristas não aceitam a cultura libertária e cosmopolita representada pela França, vistas pelos radicais islâmicos como um símbolo dos valores perversos. No comunicado em que reivindicou a autoria dos atentados, o EI não deixou dúvida sobre o aspecto cultural e conservador dos ataques. Paris é definida como a “capital da prostituição e do vício”. Talvez a solução para tão intrincado conflito mundial esteja na própria bandeira francesa, simbologia que deveria consagrar a melhor expressão da diversidade e da convivência humana. A França e o mundo precisam se reerguer para que a liberdade, a igualdade e a fraternidade não sejam letras literalmente mortas pelos ataques da trágica sexta-feira 13.

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