Simbiose ideológica

Simbiose ideológica

No final de Passione, Clara tentou matar Totó para aplicar o golpe do baú. A esta altura, a escritora policial britânica Agatha Christie deve estar se remoendo no túmulo de tanta inveja ao ver esse epílogo do folhetim com tamanha dose de criatividade.

O BBB 11, sempre apresentado pelo performático Pedro Bial, chegou turbinado por mais mulheres sensuais e garotos sarados para alavancar a audiência. No avant premiere do programa deste ano, a Globo dá sinais explícitos de que vai rasgar o manual da linguagem familiar e da finesse no horário nobre. Como se vê nem tudo é novo e original no ano que começa.

Não poderia ser diferente com o ministério da presidenta Dilma Roussef. Sem os discursos improvisados e sem as pobres metáforas esportivas, a nova mandatária do Palácio Planalto dá discretos sinais de que pretende emplacar uma gestão mais técnica do que pirotécnica. Dilma reservou para si um quinhão de ministérios estratégicos no cinturão da esplanada. Foram da sua cota as escolhas dos ministros da Planejamento, Casa Civil, Fazenda, Justiça, Educação, Saúde e Comunicações. Os demais foram negociados para acomodar os partidos aliados. Dilma não teve lá muita escolha e para governar com maioria precisou sair quitando boletos no varejo e no atacado.

Ministério também serve de prêmio de consolação para candidatos derrotados aos governos estaduais, casos do economista Aloísio Mercadante, na Ciência e a Tecnologia, e da senadora catarinense Ideli Salvatti no Ministério da Pesca e da Aquicultura. Por pura maldade, a mídia nacional quis descredenciar a sua indicação ao frisar que a senadora catarinense nunca pescou um jundiá, uma traíra ou um reles lambari.A base aliada, tendo o PMDB à frente, não deixou por menos e cobrou todas as faturas bem antes da posse. As indicações dos neófitos em Previdência (Garibaldi Alves, PMDB) e em Minas e Energia (Edison Lobão, PMDB) estão muito distantes de qualquer critério técnico para cargos vitais que demandam conhecimentos especializados.

A Secretaria dos Portos, fundamental para o desenvolvimento da exportação brasileira, ficou a cargo dos irmãos Cid e Ciro Gomes, do PSB, que apadrinharam Leônidas Cristino, prefeito da semiárida cidade do Crato, localizada no sertão nordestino, a 200 km do mar. Apesar desses acordos, engana-se quem pensa que Dilma será uma boneca ventríloqua que vai falar e agir pelos mãos do mago que a ungiu ao poder.

A primeira mulher a chegar à presidência fez parte de uma geração que se preparou para governar lendo os clássicos da sociologia e da economia, tendo o marxismo como ponto de partida para descortinar a sociedade, sem traduzir a teoria descrita no Capital como um ponto de chegada ou um dogma perfeito de sociedade a ser construída. Com raízes históricas ligadas à esquerda, nos oito anos no governo Lula, Dilma aprendeu a conviver com a direita. O resultado dessa simbiose ideólogica é que os brasileiros verão a partir de agora. 

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