A síndrome das panelas

A síndrome das panelas

No histórico domingo de agosto, milhões de pessoas voltam às ruas, para protestar e bater panelas, consolidando um ciclo de frequentes crises políticas que há tempos rondam a florescente democracia brasileira. Há 61 anos, em um sombrio mês de agosto como este, o ex-presidente Getúlio Vargas não suportou a crise política e a possibilidade de ser destituído do poder e se matou com um tiro no peito. Em 1961, o tresloucado Jânio Quadros renunciou nove meses depois de ter assumido. Embora fosse um fazendeiro de formação conservadora, João Goulart virou uma perigosa ameaça comunista e foi derrubado por um golpe dos militares. Em cinco anos de governo, José Sarney nunca deixou de ser visto como um sucessor sem legitimidade de Tancredo Neves. Seu governo começou com uma crise política e terminou com uma gigantesca crise econômica com recordes inflacionários bem mais altos que os atuais. Fernando Collor enganou o Brasil por algum tempo, mas logo a máscara de caçador de marajás caiu. O governo de Itamar Franco não passou de um tampão, afinal alguém precisava terminar o que havia começado muito mal. O povo brasileiro esperava muito do professor sociólogo, mas Fernando Henrique Cardoso chegou ao final do segundo mandato com a popularidade tão baixa que nem conseguiu fazer o sucessor.

Olhando a história recente, o primeiro mandato do ex-presidente Lula configura uma exceção a essa regra, pois a economia e a política navegavam por águas bem mais tranquilas. Que ironia do destino! Lula chegou a ser chamado de “o cara” pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, mas hoje não pode frequentar restaurantes. O mensalão escancarou uma corrupção entranhada no governo. Apesar dos pesares, Lula se reelegeu e ainda fez a sucessora. Perto do que se tem hoje, o primeiro mandato de Dilma Rousseff chega a provocar uma pontinha de saudade. Na última eleição, o eleitorado perdeu a chance de compor um novo ciclo político para o país com as forças de oposição. Dilma se reelegeu no que deveria ter sido o crepúsculo de uma era. Seu governo recomeçou em estado terminal. A má gestão econômica e o gigantesco escândalo do petrolão jogaram o país, novamente, no turbilhão de uma crise, guardadas as devidas proporções históricas, semelhante a que Getúlio Vargas, Jânio Quadros, João Goulart, José Sarney e Fernando Collor enfrentaram. Apesar da aparente sensação de democracia plena, o histórico acima revela que a instabilidade política assombra, constantemente, a democracia.

Com índices crescentes de rejeição, segundo o DataFolha, Dilma caminha celeremente para se tornar um dos presidentes mais impopulares da história. Pelas pesquisas do Instituto, até então, o posto era privativo de Fernando Collor. A gestão de Dilma já apresenta todos os sintomas de um governo que agoniza em praça pública: economia descontrolada, os aliados no pelotão dos contra, a rebeldia do próprio PT, conflitos constantes com o Congresso, população insatisfeita com os efeitos da crise e denúncias diárias de corrupção que a cada dia chegam mais perto do Palácio do Planalto. Analistas sóbrios da mídia nacional, sem notórias vinculações partidárias, já decretaram o fim do governo Dilma que não teria mais condições de governar. Em um artigo contundente na Folha de São Paulo, Igor Gielow escreveu que “Dilma hoje é um cadáver insepulto na Esplanada dos Ministérios, e ninguém sabe bem o que fazer com o corpo.”

A atual crise institucional que se materializa nos protestos de rua tem três alternativas. A primeira, menos traumática e de baixa adesão, passa pela recuperação da capacidade de governar da presidente. A segunda, menos provável, dependeria da renúncia da presidente, por livre e “espontânea pressão” ou por impeachment aprovado pelo Congresso Nacional. Com seu passado de guerrilheira, Dilma já disse que vai continuar atirando até o fim e só renuncia se for abandonada pelas forças políticas que sustentam o governo. Pelo andar dos acontecimentos, essa hipótese não está distante. Em caso de crise aguda, o Congresso Nacional pode se voltar maciçamente contra a presidente. Isso aconteceu na cassação de Fernando Collor. Nesse caso, Michel Temer assumiria. A terceira hipótese, pouco provável, não encontra similaridade na história. Por irregularidades na campanha, a dupla Dilma-Temer seria a cassada e o país teria uma nova eleição. Para quem está na parte debaixo da pirâmide, a ingovernabilidade política gera um custo muito elevado com a volta da inflação, a redução da atividade empresarial, a perda de emprego e da renda, o aumento da violência e uma vida cheia de dúvidas e incertezas. O som das panelas quer dizer que o povo nas ruas tem pressa e espera que a solução venha logo.

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