
A sinopse do antifilme
São muitas as razões que fazem um espectador gostar de um filme. O cinema seduz com uma bela história de amor, prende a atenção com a emoção da aventura e do suspense ou pode ainda ser uma requintada forma de expressão da arte. Essa variedade de gêneros explica porque você achou horrível aquele filme que o seu grande amigo classificou como “filmão”. A seleção que concorre ao Óscar deste ano forma um pequeno painel da produção cinematográfica atual, abrangendo produções muito ruins que não valem o ingresso, passando pelos interessantes, chegando até aos filmes que devem disputar o maior número de prêmios. Melhor começar pelo pior para atingir o clímax no final. A “Entrevista”, o filme que satiriza a ditadura da Coreia do Norte, conseguiu ser tão ruim quanto o ditador comunista Kim Jong Um. A produção só despertou um injusto interesse depois que hackers do tirano invadiram os arquivos dos estúdios da Sony e ameaçaram explodir os cinemas que exibissem o filme.
Se continuar nessa linha, o Brad Pitty vai demorar para ganhar o Óscar de melhor ator. Em “Corações de Ferro”, o marido da benemérita Angelina Jolie gastou muita munição em um repetitivo filme bélico, sem nada de muito diferente em relação às milhares de produções já exibidas sobre a Segunda Guerra Mundial. O roteiro fraco apresenta uma visão do conflito a partir de um tanque de guerra. Na “máxima” interpretativa do filme, um pensativo Brad Pitt, com a voz rouca, filosofa profundamente ao melhor estilo Schwarzenegger: “o tanque de guerra é a minha casa”. Do casal de celebridades, quem se saiu muitíssimo melhor foi Angelina Jolie que trouxe à tela uma comovente história de superação: a trajetória de Louis “Louie” Zamperini, de corredor olímpico a prisioneiro no Japão, durante a Segunda Guerra Mundial. Baseado em fatos reais, a história do filme foi contada no livro Invencível: Uma História de Sobrevivência, Resistência e Redenção.
Diante da falta de originalidade que o cinema vem sofrendo, os filmes baseados em histórias reais revelam biografias interessantes. Dois filmes desse gênero valem a pena assistir. “O Jogo da Imitação”, a cinebiografia do matemático Alan Turing, presta uma homenagem ao pioneiro da computação. Além de mostrar como foi o embrião das máquinas das quais a humanidade se tornou dependente, o filme revela que, lá pelos anos 50, o homossexualismo era algo “indecente” para os padrões britânicos. Na vida real, Alan Turing se suicidou por causa da discriminação que sofria. A outra cinebiografia ficou ainda melhor. “A Teoria do Tudo”, com cinco indicações para o Oscar e a excepcional interpretação do ator Eddie Redmayne, mostra a interminável capacidade que o ser humano tem para superar obstáculos. Com uma narrativa bem próxima da vida real, o filme mostra como Stephen Hawking foi perdendo todos os movimentos do corpo, por causa de uma doença degenerativa, ao mesmo tempo em que se tornava o mais famoso cientista da atualidade. Segundo a crítica, “Boyhood: da infância à juventude” e o “O grande hotel Budapeste” estão entre os favoritos para vencer, mas só “Birdman, a Inesperada Virtude da Ignorância” escancara Hollywood às avessas, desnudando a própria inconsistência do sucesso do mundo das celebridades. É como se o próprio cinema reconhecesse a sua falência, enquanto canal de expressão da arte da qual está cada vez mais distante. No filme, o ator foi famoso, enquanto interpretou um personagem ridículo de homem- pássaro. Quando decidiu buscar a sua genuína atuação como intérprete, montando uma peça de teatro, mergulhou na decadência. Alejandro Inãrritu, um diretor que gosta de fazer o espectador pensar, mostra que o cinema que faz mais sucesso é o filme de guerra com o chavão raso do Brad Pitty ou a produção que baixa o nível sem pudor, caso do filme sobre o ditador coreano.
Para fugir desse padrão, em “Birdman”, os enquadramentos não seguem as regras convencionais para preservar a liberdade de ação e a trilha sonora soa como um ensaio de bateria. Os estúdios de Hollywood estão engessados em um formato oposto. O blockbuster exige diálogos nonsenses e as intermináveis explosões para testar os tímpanos da plateia. Assim, o medonho e o grotesco rapidamente entram na lista dos Trend Topics do Twitter. Nada mais sugestivo que o ator decadente do filme seja o Michael Keaton, mais conhecido pela atuação nos filmes do super-herói Batman do que por qualquer outro papel mais relevante que tenha feito na carreira. Portanto, “Birdman” não é explosivo, é implosivo, uma ótima sinopse do antifilme. Nessa fase de produções tão rasas, merece ganhar o Óscar pela autocrítica explícita que faz dessa fase crítica do cinema.