A soberania das urnas

A soberania das urnas

A democracia possui um princípio, uma regra bastante simples de entender: a maioria vence e em tese está com a razão. Quando o processo se desenvolve com transparência e dentro da legalidade, os eleitos ganham legitimidade para governar. Se forem inteligentes, utilizarão a base majoritária de apoio para realizar um governo não somente voltado para o eleitorado responsável pela sua vitória, mas também precisam implementar planos e ações que beneficiem até mesmo quem votou contra. Esse é o maior desafio dos novos governantes. Os vencedores precisam honrar os compromissos de campanha que implicam no respeito à Constituição (a maior regra do jogo) e a tentativa de conciliação de interesses, muitas vezes, contraditórios. Os perdedores precisam ter a grandiosidade ou espírito democrático para reconhecer a derrota. 

O teste democrático imposto pelas eleições deste ano foi bastante duro, mas ao final a democracia sobreviveu aos diversos ataques. A primeira suspeita sempre recai sobre a correção da apuração eletrônica. Nos meses que antecederam a eleição, milhares de fake news inundaram as redes sociais, espalhando que os resultados das urnas eletrônicas eram falsos. Aconteceu justamente o contrário. Num país continental de 8,5 milhões de km², onde em algumas localidades distantes só é possível chegar de barco ou de avião, em apenas duas horas e 18 minutos depois que a votação havia sido encerrada, ainda na noite de 28 de outubro, o Brasil conhecia o novo presidente eleito. Sem nenhuma espécie de questionamento de vencedores e vencidos, Jair Messias Bolsonaro foi eleito o 38º presidente com 55,13% dos votos válidos (57.797.456), contra 44,87% de Fernando Haddad (PT). As abstenções, os votos brancos e nulos somam 31%, cerca de 42,3 milhões de votos. Esse resultado dividido em três terços ocorre em todas as eleições de segundo turno, reforçando a tese de que o presidente eleito possui quatro anos de mandato para conquistar o reconhecimento dos seus próprios eleitores, em primeiro lugar, mas também dos que votaram contra e dos que se abstiveram. 

 O segundo embate que a democracia brasileira teve nesta eleição foi contra as fake news, disseminadas pelas campanhas e os eleitores de vários candidatos. Havia um temor de que a avalanche de notícias falsas influenciasse a lisura do resultado. Isso também não ocorreu. As notícias falsas até circularam com muita intensidade, mas não foram suficientes para mudar o panorama da eleição. Foram combatidas pelos veículos de comunicação que criaram rotinas de investigação e checagem. 

À medida que o tempo for passando, o próprio eleitor vai apurar os seus filtros e começar a duvidar da procedência das notícias, minimizando os efeitos das fake news. Para balizar a decisão sobre o voto, dispunham das pesquisas eleitorais, referências importantes para que eleitores e candidatos tenham um termômetro das campanhas. Esses levantamentos também são muitos questionados em todas as disputas. Os institutos de pesquisa são alvos de campanhas difamatórias na internet. Ninguém está imune a erros ou a atitudes ilícitas, mas o DataFolha e o Ibope, os dois principais institutos de pesquisa do país, acertaram na mosca o resultado da eleição presidencial. Na véspera, ambos cravaram 56% para Bolsonaro, 44% para Haddad. Deu 55,13% contra 44,87%. Mais uma vez, as teorias conspiratórias foram derrubadas pelos antigos métodos da estatística que permitem a inferência de conclusões sobre o todo a partir de uma pequena amostra representativa. Parece mesmo algo incrível, mas com apenas três mil entrevistas dá para deduzir e projetar o pensamento de 100 milhões, claro, sem esquecer a margem de erro.

 Afinal, certo ou errado, quando a matéria em discussão se trata da política, o melhor e o pior, o ideal e o possível são sempre questões relativas que dependem da ótica de cada observador de acordo com os seus valores e as experiências de vida. Nesses casos sempre emerge a frase de origem desconhecida difundida pelo escritor francês, Marcel Proust de que “o tempo é senhor da razão”. De norte a sul, passando por todas as instâncias do executivo e legislativo, o eleitorado promoveu uma grande renovação política. Pela filosofia democrática, a razão está com a maioria até que a tese seja confirmada ou rejeitada. O senhor tempo traz respostas para essas indagações. A democracia ainda enseja outro ensinamento básico, nem por isso menos relevante. Mais importante do que o resultado é a legitimidade do processo, pois os governos e os representantes passam e o sistema permanece. Apesar do clima de tensão, a democracia venceu, expressando a soberania das urnas. Que os governantes e o país continuem trilhando esse caminho! 

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