
Torcedores, à capela
Foto: Andre Penner
A imprensa e os comentaristas esportivos possuem um vício histórico. As análises superficiais só se baseiam nos resultados, o que, convenhamos, facilita muito a tarefa de emitir opinião. Se ganhou, vira um Deus, um mito. Se perdeu, não serve para nada. Poucos vão até a linha de fundo, além “das duas linhas de quatro” ou “do time que ataca muito, fica exposto ao contra-ataque”. Em seu livro, “Transformando Suor em Ouro”, o técnico de vôlei, Bernardo Rezende, resumiu muito bem essa relação complicada entre o esporte e a imprensa. “Quando você ganha, não é tão bom quanto a imprensa diz e quando perde não é tão ruim quanto a mídia propaga”. Parada técnica. Para não cair na mesmice dos comentaristas de resultado, esclareço que este texto foi escrito depois da vitória do Brasil sobre Camarões e quatro dias antes do jogo contra o Chile.
O futebol enseja muitas lições e similaridades com a vida. O Brasil possui 200 milhões de técnicos e todos têm uma Seleção ideal ou uma mudança a fazer. Eis uma importante lição de vida que o técnico Luis Felipe Scolari sempre colocou em prática. Corra os riscos com as próprias convicções. Melhor perder com a sua concepção do que seguindo as opiniões alheias. Se ganhar, então, está tudo resolvido. Em 2002, Felipão contrariou o Brasil inteiro, deixou Romário de fora da Seleção e se deu bem ganhando o Mundial da Coreia e do Japão.
Agora, o técnico repete a dose e contraria o consenso nacional ao manter no time meia dúzia de jogadores que não estão atuando bem: Daniel Alves, Marcelo, Oscar, Hulk, Fred e Paulinho estiveram abaixo da crítica nos três primeiros jogos. Desses seis, o caso mais grave foi o meia Paulinho, o melhor jogador do Corinthians nas campanhas da Libertadores e do Mundial de 2011, mas que em três jogos na Copa não conseguiu fazer uma única jogada. Paulinho demorou a sair, mas ao que tudo indica perdeu a posição para o ribeirãopretano por adoção, Fernandinho, que em cinco minutos contra Camarões produziu mais que o antecessor. Pode ser o sangue novo que faltava ao time.
Com um gol que até uma vovó em forma faria, Fred ganhou uma sobrevida. Até a terceira partida, quem diria, o Hulk estava muito fraco. O Oscar só jogou bem contra a Croácia e depois desapareceu. Marcelo e, principalmente, Daniel Alves possuem salários e fama bem maiores que o futebol que apresentam em campo. Será que Felipão tem peito suficiente para tirar do time o milionário lateral do Barcelona? Apesar das desconfianças e de ter sido pouco exigido até aqui, o goleiro Júlio César não comprometeu. Davi Luiz e Tiago Silva se portaram bem, a única falha foi o descuido de marcarem a bola no gol de Camarões. O desconhecido e anônimo Luis Gustavo merece um destaque. Foi dele a providencial e estratégica roubada de bola e um passe preciso no primeiro gol contra Camarões. O volante da Seleção tem mantido uma boa regularidade, algo fundamental em uma competição tão curta como a Copa do Mundo.
Diante de um conjunto tão irregular, literalmente, tem sobrado o talento de Neymar que só contra Camarões marcou dois gols no momento em que o jogo ganhava contornos dramáticos. Com a inoperância de tantos companheiros, às vezes, o craque se perde tentando resolver tudo sozinho. Torcida brasileira! Até quando a estrela solitária de Neymar continuará brilhando? Em todas as suas entrevistas, com respaldo de quem já foi campeão do mundo, o técnico demonstra o seu perfil conservador na gestão do time. Demora a substituir e faz mudanças a conta gotas, numa lentidão que não se coaduna com a rapidez de uma disputa que começa e acaba em 30 dias, recheada de confrontos eliminatórios pelo meio. No jargão do futebol, diz-se que Felipão vai até o fim abraçado com os jogadores que definiu há um ano, quando venceu a Copa das Confederações. Entretanto, em um ano, a performance de um jogador muda muito, caso do meia Paulinho, bancado pelo técnico mesmo depois de se apresentar em más condições à Seleção.
No futebol, o imponderável sempre está em campo e a lógica pode ser driblada, a qualquer momento, por um lance mágico. Esse componente inexplicável vira a imprevisibilidade que serve de combustível à paixão. No retrospecto de três jogos, a Seleção apresentou só meio time e uma estrela solitária. Muito pouco para ganhar um Mundial com uma alta média de gols por partida e a surpresa dos emergentes do futebol, casos da Costa Rica e da Colômbia. Com um quadro tão adverso, a solução pode estar na capela, não exatamente naquela forma patriótica de cantar o hino, tão exaltada pela TV, mas nas preces que cada cristão brasileiro pode fazer pela nossa Seleção. Assim, com a bola que o time do Felipão anda jogando, vale puxar o refrão: torcedores, vamos todos à capela.