Tragédias reveladoras

Tragédias reveladoras

Por mais paradoxal que pareça, as tragédias no Brasil são reveladoras e se as autoridades fossem um pouco competentes poderiam até ser pedagógicas. Deveria pelo menos sobrar um aprendizado para impedir que se repitam com tanta frequência, nos mesmos lugares. Quem acompanhou com regularidade o noticiário deste primeiro quadrimestre, vê emergir diante dos olhos uma sucessão de fatos trágicos que derrubam a autoestima de qualquer patriota. Com tantos acontecimentos bizarros, nem cantando o hino todos os dias de manhã cedo o cidadão se anima com a realidade do país em que vive. Se há um Brasil que produz e prospera, há outro que está em frangalhos.
 
O Rio de Janeiro roubou a cena e se apresenta como a visão mais cristalina da catástrofe cotidiana. Já se sabia das quadrilhas de governadores e da ciclovia na orla atlântica que cai com qualquer chuva. Os antigos deslizamentos de morros há décadas vitimam crianças, idosos e a população mais pobre. Agora, o desmoronamento de prédios irregulares, pequenos edifícios da periferia, mostrou a face mais sombria da derrocada da cidade ainda não muito conhecida da opinião pública. Nas áreas controladas pelas milícias em que o Estado não entra, são construídas edificações ilegais, sem as licenças e os alvarás do poder público.

A população marginalizada, pressionada pela crise econômica, por falta de opção, acaba se sujeitando a morar em prédios erguidos em áreas invadidas à beira dos morros. Essas construções não oferecem segurança nenhuma. Recentemente, três pessoas morreram e dez ficaram feridas no bairro do Itanhangá, no desabamento na zona oeste do Rio de Janeiro, mas na mesma região existem mais 60 edifícios em situação idêntica, contando com a complacência das autoridades. Há tempos, a população carioca está no meio desse fogo cruzado. Se não é vítima dos traficantes ou das milícias seguidamente vira alvo de algum desatino das forças de segurança.

A última tragédia foi a do músico Evaldo Rosa dos Santos, “metralhado” por engano, enquanto ia com a família para um chá de bebê. Os soldados estavam à procura de um carro branco que havia entrado em confronto com militares. Não levaram em conta que existem milhões de carros brancos no Rio de Janeiro e descarregaram as armas no primeiro que apareceu na linha de tiro. Surpreendentemente, o vice-presidente, o general Hamilton Mourão tem sido a voz mais lúcida no meio da insensatez reinante neste primeiro quadrimestre. Questionado sobre o caso, depois de fazer as ressalvas de praxe sobre a necessidade de investigação, declarou que “quem dá 80 tiros sem que o outro lado tenha reagido não sabe exatamente em quem está atirando e não tem certeza do alvo. Atirar a esmo em zona urbana demonstra falta de preparo e de comando”, afirmou Mourão. 

Quando o noticiário está tão carregado, geralmente, o esporte serve como válvula de escape, mas nem isso está sendo possível fazer. Nas finais do Campeonato Paulista, o presidente do Corinthians, Andrés Sanches declarou que o jogo para 60 mil pessoas poderia ser cancelado se uma pedra fosse jogada no ônibus da delegação do Corinthians. A segurança foi reforçada nas imediações do estádio e nenhum incidente grave aconteceu. Entretanto, em Ferraz de Vasconcelos as torcidas organizadas dos dois times se enfrentaram num confronto armado típico de uma terra sem lei. Na semifinal do Campeonato Catarinense mais uma demonstração da barbárie dos novos tempos. Torcedores do Figueirense, dentro do estádio da Chapecoense, repetiram a macabra coreografia que imita o avião caindo em alusão à tragédia que vitimou 71 pessoas em novembro de 2016.

A diretoria do Figueirense reagiu prontamente anunciando a expulsão sumária dos torcedores do quadro de associados e das atividades do clube.  A mesma reação firme deveria buscar a  Justiça do Exército no caso da execução do Rio de Janeiro. As forças de segurança do Rio de Janeiro não poderiam ceder ao poder das milícias e deveriam punir também, exemplarmente, que infringe a lei usando uma farda ou distintivo. Esse seria o caminho para extrair as lições das tragédias e tentar impedir que elas se repitam com tanta frequência e poder de destruição. 

Compartilhar: