Três deselegâncias da modernidade

Três deselegâncias da modernidade

A irracionalidade está contaminando a humanidade. Uma simples charge serve de pretexto para uma carnificina. Ao contrário do que prega a filosofia budista, o mundo está ficando impaciente, irascível, surdo, estressado e intolerante. As mesmas posturas que se observam no embate mundial da liberdade de expressão versus a liberdade religiosa, guardadas as devidas proporções, podem ser transportadas para o dia a dia das empresas, para os conflitos do trânsito e para os relacionamentos pessoais. Além da propalada intolerância religiosa e satírica, a gentileza e a educação andam em baixa e aos poucos, sem que se perceba, a modernidade vai ficando recheada de deselegâncias. Se observadas no dia a dia, elas são muitas, mas como este é um espaço restrito dá para mencionar três.

A primeira deselegância mais comum e corriqueira da qual quase ninguém escapa é o roubo declarado do tempo. Hoje em dia, muitas pessoas se consideram mais importantes que as outras e que por isso se sentem no direito de deixar os outros mortais esperando. São aqueles que estão sempre falando do diminutivo. Vou dar uma “atrasadinha”, chegarei uns “minutinhos” depois e o famoso fala para ele dar uma “esperadinha”.

Nessa longa lista de gente que se enrola com o próprio horário, enquadram-se executivos que se consideram superiores, médicos com poderes divinos e autoridades públicas poderosas que judiam dos súditos nas salas de espera. Sem fazer por maldade, mas acostumados com essa deselegância, essas pessoas costumam marcar um evento ou um encontro para as oito sabendo que só aparecerão depois das nove. Imprevistos acontecem e ninguém morre por esperar 15 ou 20 minutos, mas tem gente que faz da impontualidade um meio de vida. O segundinho vira um tempo enorme, os minutos significam horas e a resposta em alguns dias transformar-se num prazo interminável. Não deixa de ser um pensamento meio egoísta partir do princípio que a “minha urgência é sempre mais urgente do que a urgência de quem espera por mim.”  Pode até parecer um pouco de exagero, mas ser pontual com as outras pessoas não deixa de ser uma forma de honestidade. O contrário também pode ser verdadeiro. Portanto, quando você atrasa demais, está literalmente atrasando a vida de alguém.

A segunda deselegância moderna ainda é mais frequente que os atrasos. Quem sempre está conectado aos aparelhos eletrônicos está cada vez mais desconectado das pessoas que estão presentes no mesmo ambiente. Em casa, no trabalho e na roda de amigos, a conversa tête-a-tête está perdendo espaço para outras conexões que sempre são mais urgentes e mais importantes. Os ouvintes atentos estão cada vez mais escassos, pois a atenção está voltada para quem não está presente. Essa onda virtual já ultrapassou limites e está virando uma enorme falta de consideração com quem está do seu lado, seja um amigo, um familiar, um cônjuge ou até mesmo um desconhecido. Solenemente, ignora-se quem está ao lado.

A terceira e última deselegância, muito em voga nos dias atuais, ocorre entre casais, com ou sem papel passado, que se destratam em público, na frente de muita gente. Os poetas já disseram que o amor e a paixão exigem paciência, delicadeza e, principalmente, elegância. Quem ama, protege e não fica criticando o cônjuge em público ou pelas costas. No caso das relações que tenham o amor como principal vínculo, a discrição se faz necessária. Nesse campo das confidências mútuas não se aplica aquele velho e conhecido adágio: perco o amigo (a), mas não perco a piada. Ao substituir o amigo (a), pelo namorado (a), esposo (a), verá que o inusitado não pode passar por cima de algo que deve ficar restrito à intimidade de um casal. Por mais que seja engraçada, nenhuma exposição pública desnecessária substitui essa cumplicidade que deve ser preservada, mesmo depois que o relacionamento chegue ao fim. Há um componente ético nesta postura. Diante de tantas liberalidades e de muita impaciência, de uns tempos para cá, a roupa suja passou a ser lavada em lugares públicos, incluindo aí bares, festas e reuniões familiares. Quem expõe o amado ou a amada a situações constrangedoras está sendo indelicado, para dizer o mínimo. Falar mal pelas costas então... A eventual graça de um fato qualquer passa logo, já o respeito, a lealdade e o apreço são sentimentos que valem por toda a vida e sustentam os relacionamentos.  Mesmo sem ter casado, o sábio poeta Fernando Pessoa dizia:

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