Um coração para o Faustão

Um coração para o Faustão

Neste caso, a cacofonia do título foi proposital. As duas palavras terminadas em ão refletem bem a notícia que une duas circunstâncias muito próprias do jornalismo e, que na maioria das vezes, tornam-se o fio condutor de uma reportagem ou de algo impactante. Embora pareçam universos distintos e muito distantes, a relação entre o fato particular e o acontecimento universal se cruzam em muitos momentos da vida. Por essa lógica, mesmo na sua singularidade, algumas histórias transcendem a existência de um simples mortal e passam a representar um drama da natureza humana, na sua forma mais abrangente, comum a milhares e até mesmo a milhões de pessoas.   

 


A notícia que rompeu a tênue separação existente entre a nossa situação muito singular neste mundo com a condição universal da natureza humana foi a divulgação de que o famoso apresentador, Fausto Silva, 73 anos, sofre de insuficiência cardíaca e  precisa de um transplante de coração. A nota divulgada pelo Hospital Albert Eistein, onde Faustão está internado, desde o dia 5 agosto, logo de cara revelou a gravidade do caso. Desde 2020 o apresentador trata deste problema. Agora teve que ser submetido à diálise e também necessita de medicamentos para ajudar na força de bombeamento do coração. Se o cérebro comanda as ações, o coração é um órgão vital que bombeia o sangue para todas as partes do corpo. Na cultura ocidental, simboliza os sentimentos, a paixão e o amor, ingredientes que também são vitais para a vida plena de um ser humano. 

 


Por se tratar de uma celebridade que durante 40 anos esteve muito presente na vida dos brasileiros, desde que começou com o programa Perdidos na Noite na TV Gazeta em 1984, a notícia provocou grande repercussão. Colocou no dia a dia das conversas de amigos e familiares um problema que a sociedade brasileira ainda não dá a importância devida; a falta de conscientização para que o número de doadores de órgãos aumente. Apesar das inúmeras campanhas, a desinformação, as restrições de ordem religiosa e cultural fazem com que o Brasil tenha longas filas de pessoas necessitando de transplante de vários órgãos. As estatísticas não são muito precisas, mas estima-se em 65 mil o número de pessoas que precisam de um transplante.  

 


Embora seja um dos brasileiros mais conhecidos e famosos, na fila do Sistema Único de Saúde (SUS), o indivíduo Fausto Corrêa da Silva, nascido em Porto Ferreira, em 2 de maio de 1950, é um cidadão comum que será submetido aos critérios da lista de espera de acordo com a gravidade do caso. Segundo o Hospital do Coração, cerca de 40 mil pessoas aguardam o órgão no Brasil. Em casos menos graves, a espera pode ser de 12 a 18 meses. Nos casos mais graves, o paciente precisa esperar de 2 a 3 meses. Em muitos casos, essa demora pode ser fatal. Faustão já foi incluído na fila do SUS.   

 


O fato de ser uma pessoa pública colocou o tema das doações de órgãos na pauta da mídia brasileira e nas conversas cotidianas. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revelou que a recusa familiar (43%) é o principal motivo que impede a doação de órgãos e de tecidos no Brasil. A retirada dos órgãos só pode ocorrer com a autorização de um parente próximo. Não é preciso registrar a doação em documentos ou em um cartório, mas é importante que a família saiba do desejo do parente de ser doador. A previsão legal ajuda à medida que confere maior segurança aos envolvidos, tanto para o doador quanto para o receptor e para os serviços de transplantes. No Congresso Nacional está parado há muito tempo um projeto de lei que inverte essa ordem.

 

Todo mundo passa a ser doador a menos que declare o contrário. Ninguém gosta de falar sobre a morte, mas é fato que não há previsibilidade absoluta sobre a longevidade da vida. E você já parou para pensar se gostaria de doar os órgãos? Já conversou com os familiares a respeito? Desde 2021, o Faustão não apresenta mais o programa no sagrado dia do descanso semanal, mas já que ele puxou o assunto, a doação de órgãos poderia ser discutida num domingão desses em que a família está toda reunida. 

 

Foto: Renato Pizzutto/Band

Compartilhar: