Uma década para recuperar

Uma década para recuperar

Quem já era adulto nos anos 80 deve se lembrar dos maus momentos que a economia brasileira enfrentou naquela época. Nos anos 60 e 70, no período da ditadura militar, a sociedade era obrigada a engolir as decisões políticas e econômicas impostas de cima para baixo, sem nenhuma discussão. As contas dos empréstimos contraídos no exterior resultaram década de 80, a famosa década perdida. O país quebrou e precisou recorrer ao Fundo Monetário Internacional. A fase do dinheiro fácil tinha chegado ao fim. Os executivos do FMI com suas pastinhas pretas ficaram no imaginário popular como um símbolo da submissão e da má gestão dos recursos públicos. Em troca dos bilhões emprestados, o Fundo exigia cortes de verbas para as áreas sociais como saúde e educação e cobrava medidas duras. Eram os tempos em que a população sofria com o arrocho do FMI.  

Nessa época, os brasileiros também aprenderam a duras penas, com perda de empregos e do suado dinheiro poupado uma lição básica, sem a necessidade de estudar em famosas universidades internacionais: em economia não existem soluções mágicas. Até então a nação brasileira havia experimentado toda a sorte de malabarismos, pirotecnias e resultados artificiais de curta duração. Teve o “milagre brasileiro” do ex-ministro Delfim Neto que culpou o chuchu pela alta da inflação e saiu do governo afirmando que “o bolo precisava crescer, para depois ser dividido”.  Também entrou para os anais da engenhosidade econômica, o triunvirato — João Sayad, Almir Pazzionotto e Dilson Funaro — que numa ensolarada manhã de sexta-feira, do dia 28 de fevereiro de 1986, ficaram longas horas em frente à TV para explicar que a partir daquele momento estava decretado, por tempo indeterminado, o congelamento de preços em todo o país. Para garantir o cumprimento dessa anomalia econômica, os fiscais do ex-presidente José Sarney precisariam entrar em campo.  Foi um grande fiasco em que até os bois sumiram do pasto. No terreno das más lembranças ainda tem lugar garantido para a ex-ministra Zélia Cardoso de Melo e o ex-presidente Fernando Collor que arquitetaram um plano que tinha como viga mestra o confisco de 80% das economias dos brasileiros. Nada disso funcionou e o país só colheu dívidas, recessão e inflação alta. Tempos de triste memória. 

Parecia que o Brasil tinha aprendido essa lição: ao contrário da ciência e das artes, as invenções em economia costumam dar errado. Os economistas denominados pais do “Plano Real” tinham essa lição em mente e criaram um conjunto de medidas que visavam à estabilidade a médio e ao longo prazo, sem ideias mirabolantes. Mesmo com altos e baixos, o Plano lançado, em julho de 1994, deu certo e por quase 20 anos manteve o país em rota de crescimento, com inflação baixa e expansão de alguns setores como o agronegócio. Contudo, mesmo nos períodos em que a economia andou para frente, o crescimento muito baixo não foi suficiente para resgatar a imensa dívida social que passa pela diminuição da pobreza e a instalação de uma infraestrutura mínima de saneamento básico e de habitação no país.

Nesta edição especial comemorativa aos 33 anos, a Revide fez um recorte dos últimos cinco anos, período em que nitidamente a economia descarrilou. Se em 2014, o país ainda cresceu 0,5% nos dois anos seguintes houve duas quedas bruscas do Produto Interno Bruto, menos 3,55% e menos 3,31% respectivamente. Para dimensionar o tamanho do buraco, um país que precisava crescer cerca de 10% em dois anos, encolheu 7%. O resultado mais visível desses dois tombos econômicos aparece na taxa de desemprego que era de 6,8 milhões em 2014 e alcançou a decepcionante cifra de 13 milhões no primeiro trimestre deste ano. Quando a esse número se somam os trabalhadores da economia informal, os jovens e os idosos que poderiam estar no mercado e os desalentados que desistiram de procurar emprego chega-se a uma conta assustadora de quase 40 milhões de pessoas à margem da economia, com pouca ou sem nenhuma renda. É como se a população inteira da Argentina estivesse fora do mercado. No primeiro semestre de 2019, com a divulgação de dois resultados trimestrais, o país passou raspando pelo buraco da recessão. Nesse período todo, a classe política permitiu a deterioração das contas públicas com déficits que também se acumulam nos estados e nos municípios. Com a quebradeira de alguns estados, começamos a descobrir que não existe almoço grátis e que a falta de previdência deixa o futuro endividado.

Apesar dos descalabros governamentais e do zigue-zague das políticas públicas com a alternância de grupos no poder, a iniciativa privada consegue apresentar bons resultados. Nesses últimos cinco anos, as empresas que conseguiram sobreviver a uma crise longa e dura, literalmente, precisaram se reinventar. Nossa edição especial buscou essas histórias para mostrar o que os empresários, os gestores e os trabalhadores fizeram para contornar os efeitos da crise. Nessas receitas aparecem a redução de custos, a busca por novos mercados e o uso intenso da tecnologia. De acordo com os economistas, a década de 2010 pode ser considerada perdida, mas o verdadeiro empreendedor não é aquele que direciona seu olhar para as crises do passado e para as lamentações do presente. Alguns sinais indicam que a economia está se recuperando, mesmo que lentamente. Se a década de 2010 está perdida, a próxima deverá ser a da recuperação. Como ocorre nas corridas, quem estiver bem posicionado largará na frente nessa nova fase do desenvolvimento econômico do Brasil que está apenas começando.   

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