A utopia da Politeia

A utopia da Politeia

Reportagens dos telejornais mostram que o brasileiro está comendo mais carne de frango (mais barata) do que de gado. A carne de segunda subiu de preço diante do crescimento da procura. Tem gente que suspendeu até o tradicional churrasquinho dominical com o popular contrafilé. As pessoas estão saindo menos de casa para economizar. Nem é preciso a medição da estatística para perceber que a circulação de veículos nas ruas diminuiu. Virou algo doloroso estacionar o carro em frente a uma bomba de combustível. A metade do ano já foi e a vida do brasileiro ficou bem mais difícil em 2015.

A situação do Brasil não se compara com a da Grécia, mas quem viu as imagens dos gregos correndo para os bancos sacar dinheiro lembrou que isso já ocorreu por aqui. Quem diria que tamanha tragédia financeira aconteceria justamente no país que foi o berço da democracia idealizada por Platão. Se o mundo não estivesse de cabeça para baixo, a Grécia deveria ser um exemplo de desenvolvimento para os demais povos. Nas redes sociais, já proliferam notícias de viradas de mesa com boatos sobre o famigerado confisco da poupança. Vêm à memória o bulício patrocinado pela ex-ministra, Zélia Cardoso de Mello, na época do Plano Collor, em março de 1990.

Hoje, o Brasil é um país acuado que respira em um ambiente de tensão, de angústia e de incerteza em relação ao futuro. Para a economia, esse configura o pior cenário. No bolão das previsões, dos especialistas e do Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia encolherá 1,5% este ano. Pode parecer pouco, mas é muito para um país que tem uma enorme dívida social a resgatar, principalmente com jovens e idosos. A retomada já está dando tchau para 2016 e virando uma promessa para o distante 2017. Não existe cenário pior para um governo do que ver a sua capacidade de decidir posta em xeque e a credibilidade minguar diariamente. Um velho ditado popular diz que “em casa que falta pão, sobra confusão”. Sábio provérbio. Com a economia em crise, pelo país inteiro, pipocam greves. Quanto mais a situação econômica se deteriora, mais gente tem motivos para reivindicar.

A palavra ajuste não sai do noticiário. Embora seja um eufemismo, o ajuste arruma algo que não estava bem ajustado. Então, neste segundo mandato, o governo atual está consertando o que desajustou no mandato anterior? Nos governos presidencialistas, a maior responsabilidade recai sobre a figura do presidente.

Como não dá para atribuir a responsabilidade pela desaceleração econômica aos governos anteriores, debita-se a conta do descalabro à crise internacional. As medidas que o governo tem adotado não surtiram efeito e nada indica que a credibilidade da política econômica será recuperada. O Brasil vive um período de desemprego em escalada e crescimento em baixa. Sem não bastassem o aumento dos combustíveis e da energia elétrica, os direitos trabalhistas estão ameaçados. O país amarga a combinação de inflação e de juros altos, milhares de postos de trabalho fechados na indústria e no comércio, endividamento das famílias e restrição ao crédito. Os investidores não acreditam no governo.

Apesar dos desmentidos oficiais, o cidadão brasileiro sabe que o país está em crise e que o seu poder de compra está caindo dia a dia. Essa noção reflete na queda de popularidade da presidente, menos de 10%, um dos mais baixos índices desde a redemocratização. O último retrocesso brasileiro aconteceu em 1964. Uma crise semelhante foi usada como pretexto para derrubar o governo de João Goulart e instalar uma ditadura que perdurou por 21 anos. Na constituição brasileira, não há nenhum artigo ou parágrafo que permita a substituição dos governos incompetentes, corruptos ou lenientes com corrupção. No seu efeito mais perverso, a instabilidade econômica mina a estabilidade política. Na simbologia com a escassez de água, o atual governo estaria no volume morto. Será que a Dilma vai conseguir ressuscitar? O pior de tudo é que o calvário de Dilma promete ser uma longa agonia para o povo.

Diante do impasse institucional, a luz, quem diria, vem da Polícia Federal (PF) que escreveu mais um capítulo da evolução política brasileira ao vasculhar, com autorização da Justiça, residências de políticos graúdos envolvidos com a operação lava-jato, entre eles, a famosa Casa da Dinda do ex-presidente Fernando Collor de Mello. A PF batizou a operação de Politeia, fazendo referência ao livro “A República”, de Platão, que cita uma cidade perfeita, onde a ética prevalece sobre a corrupção. Está aí um livro que muita gente deveria ler, a começar pela Dilma, a direção da Petrobras, uma parcela expressiva dos deputados, dos senadores, o pessoal das assembleias estaduais, das câmaras municipais, das prefeituras...

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