
Valeu, Janot!
Uma lista mais aguardada que a dos aprovados em vestibular de Medicina. A atenção da opinião pública está um pouco desviada em função do grave noticiário da crise econômica, mas o país começa a reviver aqueles momentos político-institucionais que provocam mudanças e despertam consciências. Assim ocorreu com as mobilizações de rua pelas eleições diretas em 1984, no impeachment do ex-presidente Fernando Collor em 1992 e na onda de protestos de junho de 2013. O outro grande embate aconteceu na esfera político-judiciária com o julgamento de figurões da República que, até então, nunca haviam sentado no banco dos réus. No episódio do mensalão, sob a batuta do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, o Brasil passou algumas páginas a limpo, mas a faxina não foi completa. Manobras jurídicas ocorridas na prorrogação do processo tornaram as penas dos “mensaleiros” brandas demais. Só o operador Marcos Valério pegou uma punição pesada. A grande maioria dos envolvidos, execrada pela opinião publica, hoje cumpre penas em regime de semiliberdade. Agora, chegou a hora de a lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sacudir novamente os alicerces da República. Nesse rol, por enquanto mantido a sete chaves, figuram 28 políticos de seis partidos (PT, PSDB, PP, PMDB, PSB e PTB) ou 5% dos integrantes do Congresso Nacional. São deputados, senadores, governadores e políticos envolvidos na operação lava-jato, que receberam dinheiro de empreiteiras beneficiadas em obras do governo federal. Quando a nominata vazar não haverá festa de comemoração, mas uma nova crise político-institucional. Gente que preside poderes da República pode estar envolvida. Será mais um duro teste para as instituições: se os acusados escaparem das garras da Justiça prevalece o modelo atual do status quo com o caráter compensador do crime colarinho branco. Em caso de uma punição exemplar dos culpados e a recuperação de parte dos recursos desviados, fica aberto o caminho para a retomada da moralidade pública, hoje, tão abalada no país. A coincidência temporal estabelece uma linha de intersecção entre os dois maiores e mais recentes escândalos do país, mostrando que, por ora, não há medo de punição. A descoberta de um (o mensalão) não esfriou o ritmo frenético do outro. Apesar da enorme repercussão que o mensalão teve na mídia, na mesma época, o petrolão seguia a pleno vapor, ou seja, as quadrilhas que se apoderam do patrimônio público ainda não temem o alcance da lei.
Nesse novo embate contra a corrupção, quatro instituições se destacam: as denúncias diárias feitas pela imprensa, as investigações da Polícia Federal, a firmeza do juiz federal do Paraná, Sérgio Moro, e a coragem de Rodrigo Janot, o primeiro procurador da República a alcançar o status de redentor da política nacional. Para dividir esse jogo em dois times antagônicos, de um lado estão a mídia, formada pelos principais veículos de comunicação do país, a Polícia Federal, a ala combativa do Judiciário e a força tarefa de 11 procuradores da República, capitaneados por Rodrigo Janot. Do outro lado, estão arregimentados a facção corporativa do Congresso Nacional, os partidos políticos envolvidos, as grandes empresas denunciadas e os mais famosos escritórios de advocacia do país, contratados a peso de ouro para defender os executivos indiciados. Na plateia estão milhões de cidadãos brasileiros estarrecidos com as bilionárias verbas desviadas dos cofres públicos.
A denúncia dos envolvidos acabou personificada na figura do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que representa, no caso, o Ministério Público Federal e o interesse da sociedade brasileira. Assim como ocorreu com Joaquim Barbosa, a pressão em um processo dessa envergadura torna-se enorme a ponto de o procurador ter sua casa arrombada e receber ameaças de morte. Quando podem perder seus privilégios, as elites detentoras do poder não hesitam em reagir de forma violenta. Recentemente, na Argentina, o procurador que ia enquadrar a presidente foi assassinado um dia antes de fazer a denúncia. A personificação e a necessidade de salvadores da pátria sem o respaldo das mobilizações populares são velhos problemas da política brasileira.
Mineiro de Belo Horizonte, Janot, 58 anos, foi escolhido para o cargo por sua conterrânea, a presidente Dilma Rousseff, em setembro de 2013. O procurador entregou ao STF pedidos de abertura de investigação contra políticos suspeitos de envolvimento na Operação Lava-Jato. Nos próximos dias, o ministro do Supremo, Teori Zavascki, decidirá se mantém em sigilo o nome dos envolvidos. Janot pediu que o processo seja público e, nos próximos meses, terá de sustentar a denúncia nas audiências. Diante de réus tão poderosos, o primeiro passo foi dado e o cidadão que sonha com o fim da impunidade já pode soltar um “valeu, Janot!”