Velas acesas e apagadas

Velas acesas e apagadas

Ribeirão Preto está completando mais um aniversário. Descontando as eventuais cargas sentimentais, as datas e as efemérides estão perdendo um pouco do sentido. O ritmo da modernidade exige que a vida seja vivida intensamente com a revisão constante das metas e dos planejamentos. Não sobra muito tempo para ficar remoendo o passado, vendo o tempo passar. Essa regra vale tanto para as pessoas como para uma cidade. No caso da aniversariante, a urgência ainda é maior. Sempre que possível, os problemas precisam ser resolvidos todos os dias. O que fica pendente entra no checklist do médio e do longo prazo.

Embora conheça a história de Ribeirão Preto, nessa ocasião, opto por não escrever sobre a Ribeirão Preto de outrora, de 1856, do final do século passado ou do começo deste. Meu vínculo com esta cidade é bem mais curto e recente.  Mais precisamente, remonta a junho de 1989, quando aqui cheguei para dar continuidade à vida profissional vindo do Rio Grande do Sul. Minha visão, portanto, é a de um forasteiro que já na chegada ficou impressionado com a infraestrutura, com o desenvolvimento e as opções de lazer de uma cidade do interior, que já era capaz de proporcionar alguns atrativos próprios das grandes cidades.

Também não se trata de embarcar de olhos fechados no ufanismo exagerado, que tantos prejuízos trouxeram à cidade. Lembro como se fosse hoje do fantasioso Globo Repórter feito pelo repórter Tonico Ferreira que vendeu Ribeirão Preto como uma fantástica ilha da prosperidade, programa que deu asas à fama de Califórnia Brasileira no país inteiro. O resultado dessa quimera jornalística foi uma invasão de mendigos e de migrantes de várias regiões do país, que provocaram graves problemas sociais.  Não havia estrutura para receber tanta gente.

O alcance do meu olhar tem, portanto, um quarto de século. Para mim, é como se a cidade que adotei para morar estivesse completando 25 anos. Naturalmente, a condição de jornalista me coloca como observador contínuo, pois nesse ofício todo o santo dia é preciso prestar atenção aos fatos e às notícias. Nesse período, em algumas áreas, a cidade soube explorar a sua vocação de centro comercial regional. Essa condição salta aos olhos quando se constata a consolidação de quatro grandes centros comerciais ou a vertiginosa expansão mobiliária que mudou radicalmente a fotografia da cidade. Ribeirão Preto ainda conseguiu projetar-se com pelo menos três eventos reconhecidos nacionalmente, casos da Agrishow, da Feira do Livro e do João Rock.

Contudo, os problemas se multiplicaram e o mais grave deles hoje amedronta qualquer cidadão: a insegurança.  Em 1989, nas conversas com moradores da cidade, era difícil encontrar alguém que tivesse sido furtado ou roubado. Hoje, está difícil encontrar quem ainda não foi vítima de violência ou que não tenha um parente próximo nessa condição. Esta coluna, por exemplo, foi batizada de “Visão do Front” porque a vida foi virando um campo de batalhas cada vez mais violento. Também foram notórias as quedas na qualidade da saúde pública, da educação e do transporte público. Na década de 90, também aconteciam erros médicos, mas não eram uma triste rotina como a de hoje. Não houve avanços significativos nas questões ambientais, continuamos desperdiçando água e as áreas verdes e de lazer são insuficientes para a população. O mais grave é que o estado ribeirãopretano, entendido como a extensa lista de órgãos públicos das três esferas de poder, ausentou-se da periferia, deixando, principalmente, a juventude à mercê da própria sorte.

O espaço deste texto está acabando e alguém pode estar se perguntando: de quem é a culpa? A culpa é de todos os 650 mil moradores da cidade e dos milhares que se divertem, estudam e trabalham nesta cidade. O novo conceito de cidadania, surgido justamente nesses últimos 25 anos, tornou todos os moradores do Município corresponsáveis pela escolha dos governantes, pelo acompanhamento da gestão e pela cobrança de soluções. Com o advento das mídias sociais, uma nova postura mais participativa começa a surgir, ainda, carecendo de correções de rumo. No mundo, no Brasil ou no Estado de São Paulo, existem hoje cidades em melhores condições do que Ribeirão Preto. Assim, dividem essa responsabilidade pelos indicadores atuais desta cidade, pelas velas que se acendem e pelas que se apagam, os eleitores, os políticos, as entidades representativas, as igrejas, a imprensa e todos aqueles que poderiam ter ajudado a construir uma cidade melhor e não conseguiram, ou que, simplesmente, pecaram pela omissão. O grau de desenvolvimento e de qualidade de vida de uma cidade sempre são resultado do produto das relações sociais. A partir desta reflexão própria para o aniversário, sobre os erros e os acertos, é possível pensar sobre a necessidade do recomeço.

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