
As venetas do obscurantismo
Os mais antigos devem lembrar da expressão: “deu na veneta do fulano”. A tradução desse velho ditado popular esclarece que a frase era dita quando alguém, meio que do nada, tinha um impulso inexplicável, um acesso súbito de teimosia, sem que houvesse algum santo que conseguisse desfazer a ideia estapafúrdia. Até a década passada, o Brasil era considerado um país meio pacato com antigos problemas crônicos que se repetiam sem solução: corrupção na política, problemas elementares de infraestrutura e a predominância dos interesses corporativos em detrimento das aspirações coletivas. Hoje, quem assiste a um telejornal vê um vereador de Belo Horizonte rachando os salários dos assessores e as arenas do Rio de Janeiro construídas para os Jogos Olímpicos completamente abandonadas apenas três anos depois do evento. Um enorme desperdício de dinheiro público.
Quase todos os dias, apesar da lei Maria da Penha que completou 13 anos, uma mulher é morta no pelo ex-companheiro.
Nada disso é novidade no Brasil ou em Ribeirão Preto onde a simples instalação de um sistema de aquecimento numa piscina de um espaço público torna-se uma novela interminável. O que há de novo no front é que, em alguns aspectos, em vez de avançar, regredimos. Se tem algo em que houve avanços incontestáveis para a humanidade foram as descobertas da ciência. No entanto, algumas mentes brilhantes agora estão pondo em dúvida verdades que eram consideradas incontestáveis. Já tem gente “esclarecida” dizendo que a Terra não é redonda, que o homem não foi à lua e que as vacinas não fazem efeito.
Ninguém desconhece que a política está cheia de controvérsias, mas, em tese, não há porque contestar os achados da ciência. Nicolau Copérnico, Neil Armstrong e Albert Sabin devem estar se revirando no túmulo. Começou a reinar no país uma onda obscurantista em que alguns iluminados publicam uma teoria da estapafúrdia e o inacreditável acontece: milhares de pessoas acreditam na inverossimilhança e ainda compartilham.
Outras duas polêmicas são o aquecimento global e o desmatamento da Amazônia, sem esquecer da falácia sempre reeditada da fraude nas urnas eletrônicas. Cerca de 97% dos cientistas de países avançados, como Inglaterra, Alemanha e França, concordam que o planeta está mais quente graças à ação humana. Nessa questão, o contraditório é ínfimo. De quase 14 mil artigos científicos sobre ciências climáticas, publicados entre 1991 e 2012, só 24 (0,17%) rejeitam o aquecimento global. A Terra até passa por cataclismas cíclicos que podem provocar a destruição de algumas espécies, caso da extinção dos dinossauros, mas segundo a respeitada comunidade científica, não é isso o que está ocorrendo.
Também se tornou comum a ira dos governantes contrariados com as estatísticas e as evidências científicas. Qualquer brasileiro sabe que fiscalização é algo que nunca funcionou muito bem por aqui. Isso explica, por exemplo, a interminável e sempre crescente destruição da Floresta Amazônica, reserva verde que por sua dimensão e importância interessa ao mundo inteiro. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) é uma entidade respeitada internacionalmente que serve ao Estado brasileiro e não ao governo de plantão. A racionalidade indica que a preocupação principal deveria ser a preservação da floresta. Não há a razão palpável para atacar a instituição e os cientistas.
Se essa veneta obscurantista prevalecer, haverá um retrocesso em várias áreas do conhecimento humano, pois cada tribo carregará uma verdade própria, na maioria das vezes, calcada na intolerância e na irracionalidade. A sociedade vai se distanciar da verdade objetiva, abrindo espaço para as crendices e as afirmações metafísicas. A verdade objetiva precisa prevalecer sobre as verdades particulares. Tem gente que não acredita em pesquisas, mas toma cegamente remédios que funcionam, mas que nunca testou. Assim, só para não perder o eixo da discussão: até prova em contrário, a Terra é redonda, as vacinas previnem doenças e o homem andou pela lua. Infelizmente, a Amazônia está sendo desmatada num ritmo acelerado e de quebra, com a violência do trânsito, é mais seguro ir de avião para o Japão do que de ir de carro a São Paulo. São coisas que só o conhecimento científico explica.