
Verbetes amorosos
O último bafão amoroso que sacudiu o país foi o entrevero da famosa Banda Calypso, que com 16 anos de carreira transformou em celebridades nacionais o ex-casal de apaixonados, Joelma e Chimbinha. O objeto desta prosa escrita não é fazer uma análise musical do estilo brega-pop, não tão conhecido por essas bandas, mas que arrasa no Norte e Nordeste. Para quem torce o nariz para o gênero, vale lembrar que a banda alcançou a expressiva marca de 2 milhões de cópias. Tão pouco se trata de eleger Joelma e Chimbinha como um modelo de casal nacional, justamente em uma época em que a palavra de ordem nos relacionamentos passa pela diversidade. Os astros da banda famosa entraram para o centro da discussão afetiva nacional, depois que a briga conjugal vazou na imprensa. Com uma reportagem no Fantástico virou uma espécie de show atualíssimo da vida com direito à lavagem da roupa muito suja diante das câmeras. Recentemente, em um plano bem diferente, o noticiário especulava que a milionária top model, Gisele Bündchen, teve o cargo de primeira dama ameaçado pela babá, que teria seduzido o marido, o jogador de futebol americano Tom Brady. São nuances dos relacionamentos modernos.
O pecado de Chimbinha não tem nada de original desde que o paraíso foi inventado. Joelma descobriu que o marido tinha uma amante e que inclusive pagava as contas dela. Barraco armado, os interesses comerciais da banda, muito presentes em uma época em que o dinheiro tem a primazia do valor, falaram mais alto e embolaram a separação da dupla A situação explodiu depois que Joelma foi “obrigada” a subir no palco ao lado do ex-marido. Enquanto a cantora ficou prostrada, de cabeça-baixa, o público arremessava objetos em Chimbinha para delírio e tristeza dos milhões de fãs.
A propósito do tema, ao mesmo tempo em que o festival de horrores do casal da Banda Calypso se espalhava na mídia que nem fogo na palha, estreava nos cinemas o “Pequeno Dicionário Amoroso 2”, da diretora Sandra Werneck, uma comédia romântica cujo gênero não é muito apreciado no país. Em uma das salas de estreia em Ribeirão Preto, em pleno feriadão, havia cinco testemunhas na plateia.
A exemplo do primeiro, lançado em 1997, o segundo filme também traça uma espécie de painel de amor baseado em palavras que fariam parte de um controverso dicionário da paixão. Encantamento, intimidade, loucura, paranoia, dúvida, monotonia, traição e saudade são alguns dos verbetes da paixão. Ambientado nas belas e únicas paisagens do Rio de Janeiro, o filme tenta dar um nó no tempo, daqueles que são raros na vida real. A diretora criou um “revival”: o que poderia acontecer 18 anos depois com aquele casal (Daniel Dantas e Andrea Beltrão), que se amou tanto e acabou não ficando junto? A segunda chance pode ter um destino diferente da primeira ou está fadada ao mesmo desenlace? As pessoas se arrependem e mudam depois de alguns anos ou a essência permanece a mesma apesar das marcas do tempo e de tantas mudanças no mundo?Essa pergunta move o filme que acabou ficando meio perdido ao tentar reproduzir justamente o momento atual dos relacionamentos. Bem a propósito, os personagens que gravitam em torno do núcleo principal são meio perdidos, confusos, não sabem o que querem. Tem a adolescente na fase “poliamorosa”, dividida entre o namorado e a namorada, o menino que descobre o sexo na internet e os casais que separam uma, duas, três vezes... Na concepção apresentada pela renomada diretora do filme, não há um único casal que sirva de referência para o amor. Misturam-se histórias desencontradas, dúvidas abalando certezas, ciúmes e desconfianças minando a fidelidade.
Na tela do cinema, na visão de Sandra Werneck, fica parecendo que na era das relações contemporâneas amorosas, os dilemas afetivos nunca cessam. Ainda que numa nova roupagem, as angústias do Século XXI são as mesmas do século passado. Não por acaso, o filme se baseia no clássico de Roland Barthes, “Fragmentos de um Discurso Amoroso” que, para desespero de alguns, desconstruiu qualquer clichê que poderia servir de modelo de vida para os apaixonados. Não é possível delegar a construção da própria história. Se for ver o filme, não tenha pressa para sair da sala. O melhor fica sempre para o final na bela trilha sonora que roda com os créditos. Chico Buarque mata a charada e dá uma dica para quem anda sofrendo com a letra de “Futuros Amantes”:
“Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios no ar.”