Vias de fato

Vias de fato

Imagine como seria se alguém descontente com os aumentos de preços dos supermercados agredisse os repositores. Se quem discordasse de uma decisão judicial resolvesse partir para cima do juiz ou dos servidores. Se o preço do combustível subir não dá para agredir o frentista. O gerente não pode ser ofendido se o banco cobra um juro alto para emprestar dinheiro. O grau de civilidade de uma sociedade depende da capacidade de lidar com os conflitos e com a diversidade de ideias. 

Nos últimos meses, uma onda truculenta ganhou força. Ela não surgiu do nada, foi insuflada pelas redes sociais numa avalanche de mensagens falsas e distorcidas. Os reflexos estão aparecendo. Nesse perfil virulento se enquadram os que se acham no direito de intimidar, de ofender e até agredir quem pensa ou age diferente. Ignoram que a maioria dos problemas não tem uma origem só e que o mundo só se explica pela sua imensa diversidade. Uma das categorias que tem sido alvo dessa histeria raivosa é a dos jornalistas e dos profissionais de imprensa. Dia desses, uma mulher retirou um microfone da mão de um repórter que falava ao vivo. Numa manifestação em Brasília, profissionais do Estadão foram agredidos por estarem cobrindo o protesto. 

Esse discurso odioso estabeleceu que todos os acontecimentos importantes do país são culpa da imprensa. Brigas palacianas, quedas de ministros e o aumento do número de casos e mortes do coronavírus fazem parte de uma “grande conspiração armada pela mídia que envolve até a China”. Enquanto isso, a “verdade” se espalha em vídeos assustadores, com as cores da bandeira, pelas redes sociais. Esse comportamento truculento dos partidários das vias de fato tem recebido apoio de gente aparentemente “sensata e civilizada”. Países que enveredaram pelo enfraquecimento de suas instituições, entre elas a imprensa, o judiciário e o parlamento, se deram mal e mergulharam em crises profundas. A Venezuela é o exemplo mais próximo. No vizinho, governantes com discursos autoritários levaram o país ao caos social. 

 

Foto: Ueslei Marcelino / Reuters

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