Vida breve

Vida breve

Vida louca vida, vida breve, já que eu não posso te levar, quero que você me leve”, cantou o genial Cazuza, em 1987, provavelmente antevendo que a morte o levaria muito cedo, em 7 de julho de 1990, no auge dos 32 anos. A sensação que Cazuza teve naquela época se assemelha a uma percepção quase generalizada
nos dias atuais. Entre o amanhecer e o anoitecer de cada dia, fica o sentimento de que o tempo vai escapando do nosso controle minuto a minuto. A vida moderna passa depressa, comprimida por uma agenda lotada com múltiplos compromissos. Há seis meses, estavam na agenda as eleições, a Copa do Mundo, o Natal e o Ano Novo. Todos esses eventos, referência bem visíveis de tempo, já fazem parte do passado. Logo, logo o Carnaval também vai passar.

 

Assim, à medida que o tempo avança, os anos entram e saem pulverizando as lembranças da infância, da juventude, dos anos da faculdade e das experiências profissionais. Difícil encontrar um adulto que não lamente a pressa avassaladora da passagem do tempo. Eis que no meio da imensa bibliografia filosófica surge um pensador que desafia essa lógica tão comum hoje em dia, afirmando, categoricamente, que a vida não é curta demais, as pessoas é que não sabem aproveitar o longo período de tempo que está a sua inteira disposição. Lúcio Sêneca foi um filósofo romano influente, conhecido pelas obras de caráter moral. Aconselhou os imperadores Tibério, Calígula, Cláudio e Nero, na época em que Jesus Cristo teve uma curta passagem pela terra. Uma das obras de maior alcance foram os diálogos sobre a brevidade da vida em que aborda os maus hábitos que impedem o ser humano de aproveitar o tempo com sabedoria. “Não é que tenhamos um curto espaço de tempo para viver, mas o desperdiçamos demais. A vida é longa o bastante e foi concebida em medida suficientemente generosa para permitir a realização de coisas maiores, se o tempo for bem investido. Mas quando é desperdiçado no luxo e no descuido, quando não é dedicado a bons fins, finalmente forçados pela necessidade última, percebemos que ele passou antes de sabermos que estava passando”, observou o pensador.

 

Muitas vezes, o pensamento filosófico se apresenta como algo muito abstrato, de difícil compreensão, mas as ideias de Sêneca são simples, objetivas, diretas e possíveis de serem postas em prática. “A vida não é curta, e sim mal aproveitada, o tempo não deve ser desperdiçado com vícios e inércia. Quem não possui objetivo fixo vive ao sabor das marés”. Algum dos conselhos do filósofo são incisivos para provocar uma reflexão. “Por que defendes o teu patrimônio, mas entregas com facilidade o teu tempo?” Outras recomendações dialogam com quem está próximo. “Será que buscas o outro só para fugir de ti mesmo?” ou ainda “quem te deu algum momento de atenção é melhor que tu, que nunca dás esta mesma atenção a ti mesmo”.

 

Muitas pessoas adiam para o futuro as realizações que podem satisfazer a sua natureza humana, sem ter a mínima certeza de que poderão chegar a esse dia com saúde, energia e a lucidez necessária para aproveitar esse tempo. Chamando a atenção para a brevidade da existência, Sêneca lembra que “a vida seguirá o caminho que começou e não reverterá, nem interromperá seu curso. Não fará barulho, não o lembrará da sua rapidez. Silenciosa, ela deslizará... Assim como foi iniciada, irá correr. Em nenhum lugar se desviará, em nenhuma parte irá se demorar. E qual será o resultado? Você está ocupado, e a vida se apressa”.

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