
Vida incompleta
Diz um velho ditado que o ano no Brasil só começa depois do Carnaval. Se a frase fosse totalmente verdadeira, este ano ficaríamos sem o marco simbólico do recomeço. Ainda teríamos mais uma anormalidade para computar entre tantas dissensões que passamos a colecionar desde que o novo modo de vida se estabeleceu a partir da chegada do vírus. De fato, o Carnaval não aconteceu da forma tradicional como o país estava acostumado. A festa popular e democrática foi cancelada, uma resposta coerente à segunda onda do coronavírus. Pelo país inteiro, os foliões se recolheram e as passarelas ficaram vazias. Governos estaduais e prefeituras suspenderam o feriadão para frear a perigosa onda de transmissão com as novas variantes do vírus. A situação está crítica na vizinha Araraquara. Foi um período tão atípico, um misto de feriado com dia normal. Claro que o bom senso coletivo não impediu que os mais individualistas organizassem festas clandestinas escondidas da fiscalização.
Não teve festa, nem tanto riso e nem tanta alegria. Pairou um lusco-fusco, uma pasmaceira meio esparramada, um vai-não-vai que se materializa nesse baile do põe a máscara e tira a máscara, na contradição do confraterniza, mas sem aglomerar. A profecia dos dias de alegria no calendário não se cumpriu plenamente. O que estava previsto na folhinha não aconteceu. Para nossa sorte, o dito popular de que o Brasil só funciona depois do Carnaval é uma meia verdade. Há de fato um Brasil que anda no ritmo da grande agenda da política, da economia, da justiça e agora da saúde. Esses só funcionam mesmo depois do Carnaval, casos do Congresso Nacional e das grandes decisões econômicas. Em Ribeirão Preto até a emergencial vacinação foi suspensa por quatro dias e meio durante o período em que momo nem reinou.
No entanto, há outro Brasil que tem pressa e que não pode esperar porque já está muito atrasado. Esse já perdeu tempo demais. É o Brasil da economia informal em que cada dia conta para garantir a sobrevivência. É o país das pequenas, médias e grandes empresas que se veem diante da incerteza econômica, tentando encontrar maneiras de minimizar os prejuízos. Em 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 4,5%. O 2021 que começou patinando sem Carnaval não deve dar conta de recuperar tamanho tombo. O país precisa gerar um milhão de novos empregos por ano, mas hoje ostenta 15 milhões de desempregados, fora as pessoas que estão na economia informal.
O Brasil necessita de ações concretas, decisões rápidas e assertivas, mas nada disso parece factível diante do jogo travado e pesado da política. Nem algo que deveria ser consensual como comprar e aplicar vacinas se desenrola com facilidade. Pelo contrário, a incompetência federal criou um cenário caótico que deve se agravar em breve com a chegada do inverno. Saúde, economia e a prosperidade dos indivíduos precisam andar juntas com outras tantas variáveis que dependem dos governos e do cidadão comum. Quando não há um mínimo entendimento sobram confusões, atropelos e perdas para todos os lados. Gasta-se um tempo enorme com discussões estéreis. A vida se apresenta incompleta com a amarga sensação de que falta o mínimo necessário para superar a crise o mais rápido possível. Assim, a vida brasileira caminha capengando meio incompleta. A sorte é que o Brasil da microeconomia, do cidadão comum não para e sabe que precisa continuar fazendo a sua parte.