A viva roda de Karnal e Pondé

A viva roda de Karnal e Pondé

Não se trata de nenhuma nova dupla sertaneja ou de dois youtubers que estejam fazendo muito sucesso. Luis Felipe Pondé  se apresenta como filósofo, escritor e ensaísta. Leandro Karnal trabalha como historiador, escritor e ensaísta. Em comum, ambos possuem a fama que rompeu os limites acadêmicos para ir ao encontro das angústias da sociedade que está muito preocupada em encontrar soluções para problemas físicos e psicológicos em tempos tão difíceis. Entre os vários assuntos que abordam nas entrevistas, aulas e palestras, o tema mais recorrente costuma ser a influência das mídias sociais na vida contemporânea. A própria internet foi a principal responsável por ampliar o interesse pelas reflexões de Pondé e de Karnal. Na segunda-feira, dia 31 de outubro, os dois pensadores foram os centros das atenções do programa Roda Vida da TV Cultura que completou 30 anos como uma espécie de ilha solteira do pensamento mais elaborado na televisão brasileira. Juntos, Pondé e Karnal foram sabatinados por uma roda de profissionais digitais que fizeram perguntas sobre a democratização dos meios de comunicação, a necessidade de exposição na internet e a felicidade, tema que nunca sai da pauta.  

Mídias como o Facebook, hoje com 1,6 bilhão de seguidores, ampliaram a base de participantes na discussão de temas que antes eram restritos a ilustres pensadores. Pondé e Karnal encaram com naturalidade o mal-estar que ocorre nesse processo de inclusão e as manifestações de ódio, de intolerância e de racismo. Muitos filósofos não viram com bons olhos essa liberdade de opinião e a perda do “privilégio” na análise dos temas sociais. No entanto, os dois consideram salutar esse processo mesmo que ele tenha tornado mais visível a mediocridade, a vaidade e até mesmo o racismo. Essa transformação está resultando numa democratização do conhecimento, antes restrito a uma elite pensante. O ser humano que se expõe está ficando mais parecido com a sua essência.

Nesse processo de democratização emergiram com força algumas antigas aspirações humanas: o desejo de reconhecimento, a busca pela aceitação e a necessidade de encontrar um mundo que se enquadre nas próprias preferências. No começo do programa, meio que parodiando o filósofo francês René Descartes, Pondé foi enfático ao afirmar que o ser humano tem uma imensa necessidade de ser visto, “pois só existe na medida em que o outro o vê, principalmente no vazio das grandes cidades”. Karnal complementou afirmando que pelos parâmetros da sociedade atual “agora ser é publicar e existir é parecer”. O professor acrescentou ainda que, para a psicanálise, determinadas publicações intensas sobre banalidades escondem temas e situações que são bem mais importantes. 

As perguntas iam rodando até que a internet veio para o centro da roda viva. Questionado sobre o real e o virtual, Karnal declarou que, ao contrário do que muitos imaginam, não existem dois mundos apartados. “A internet virou um grande mercado para a visibilidade, mas não foi ela a sua inventora. O mundo virtual não criou a fantasia ou o second life, apenas a tornou mais acessível. Se antes essa abstração vinha através da leitura de um romance de Madame Bovary, hoje, basta navegar pela rede para encontrar uma ilha da fantasia tal qual havia em uma antiga série de TV. A fantasia também faz parte da nossa vida e representa o espelho do mundo”, comentou o filósofo.

Quando as discussões giravam em torno da fantasia, um dos debatedores perguntou se as pessoas não criavam personagens para circular por esse mundo virtual. Pondé respondeu que essa representação está presente nas relações humanas, mas observou que as redes sociais potencializam a possibilidade de produzir avatares em um universo específico, o que serve para dar proteção.

Sempre quando os entrevistados são filósofos, o programa não termina sem que a felicidade entre em pauta. Karnal não tem dúvida de que parecer pode ser uma ponte para ser feliz. Ainda chamou a atenção para o fato de que esse estado paradisíaco permanente, que lembra o paraíso, é uma ideia recente. O homem da Idade Média não pensava que devia amar para ser feliz. Para o historiador, nessa caminhada, o ser humano perdeu a dimensão trágica da existência que coloca a dor como companheira próxima da felicidade. Pondé concluiu reconhecendo que existe muita dificuldade para distinguir entre ser e parecer feliz. Apelou para a filosofia romântica que poetizava sobre a diferença entre o que você sente e o que fica obrigado a sentir. “Algumas pessoas conseguem estabelecer um modo de vida mais verdadeiro, mais autêntico, e por essa simples razão são mais felizes do que outros”, concluiu o filósofo. 

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