
Voando em círculos
A polêmica ampliação do aeroporto Leite Lopes é uma daquelas questões que bem retrata a falta de planejamento da administração pública brasileira. Se lá atrás, há 20 anos, tempo em que essa discussão se arrasta, as partes envolvidas tivessem pensado melhor e projetado a construção de um aeroporto, levando em conta o crescimento e o futuro da cidade e da região, uma série de desgastes e desperdício de tempo, dinheiro e energia teriam sido evitados. O mais sensato seria escolher uma nova área para atender ao interesse regional que, necessariamente, não precisaria ser dentro do território de Ribeirão Preto, uma vez que a área do município diminuiu consideravelmente desde que Guatapará se emancipou em 1989. Em países civilizados ou mesmo na vizinha Campinas, os aeroportos distam vários quilômetros dos centros urbanos.
Bem, essa hipótese, que tanto tempo depois já poderia ser uma realidade, nunca foi considerada e está fora de cogitação. Não há planos de construir o aeroporto em outro local. As forças vivas da cidade, públicas e privadas, optaram por ampliar o antigo aeroclube, mesmo que hoje a cidade já tenha abraçado o aeroporto. No estágio atual, a ampliação envolve uma engenharia complicada com a custosa remoção de favelas e os investimentos para minimizar os impactos ambientais nas áreas próximas, densamente habitadas.
Desde que a proposta de ampliação do Leite Lopes seguiu adiante aconteceram incontáveis reuniões e a definição de prazos que nunca foram cumpridos. Dezenas de reuniões ocorreram em Brasília e em São Paulo com custos para os cofres públicos. Cada reunião reúne 20, 30 representantes. Muitas dessas viagens são bancadas pelos cofres públicos. Num passado não muito distante, a reivindicação atendia pelo nome de internacionalização do Aeroporto Leite Lopes. Agora, no release distribuído pela Prefeitura de Ribeirão Preto sobre seminário ocorrido no início da semana, o tema foi “a operacionalização do Terminal de Cargas do Leite Lopes.” Sim, no meio desse imbróglio todo, uma empresa privada investiu na construção de um terminal de cargas, sem garantias de quando a obra será iniciada e concluída.
Nessa reunião com 82 representantes da macrorregião da Alta Mogiana, o tom dos discursos, principalmente por parte da prefeita de Ribeirão Preto, Dárcy Vera, era de cobrança e confronto com o governo do estado e com o governo federal. Os presentes foram convocados para “a briga”. A execução da obra depende da remoção de muitas barreiras e de altos investimentos. Em tempos de vacas magras, o Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (DAESP) estima que as intervenções custarão R$ 413 milhões. A prefeita pressente que a obra pode não sair dentro do seu governo, que se encerra no ano que vem, e por isso quer que o aeroporto saia na base da pressão. A empresa Tead Brasil investiu R$ 30 milhões na construção de um terminal de cargas e agora espera pelo prolongamento da pista em 500 metros. A empresa até se dispôs a doar R$ 15 milhões para as obras, mas há uma burocracia a vencer. Para a ampliação da pista, será necessária a construção de um túnel na Avenida Tomas Alberto Whatelly. Em 2011, o atual governador Geraldo Alckmin prometeu que ampliaria a pista...
Repousa nos arquivos do Ministério Público Estadual, um termo de ajustamento de conduta (TAC) que proíbe mudanças na pista do Leite Lopes. O documento foi assinado, em 2008, pelo DAESP e pelo prefeito da época, Welson Gasparini. O promotor da Habitação e Urbanismo, Antonio Alberto Machado, já cansou de repetir que é a favor da construção de um novo aeroporto em outro local e que tomará providências se a obra começar. Sobre essa pendência judicial de âmbito estadual, o Ministério Público Federal se manifestou declarando que não tem posição nem a favor e nem contra a internacionalização do Leite Lopes. No entanto, recomendou à Secretaria da Ação Civil da Presidência da República que não faça investimentos federais no aeroporto, enquanto as pendências judiciais, na esfera estadual, não estejam resolvidas. O investimento sem essa definição jurídica pode implicar na perda de recursos públicos. O Ministério Público Estadual tem três ações civis públicas ajuizadas sobre o aeroporto. No meio de tantas dificuldades, começaram a surgir até teorias conspiratórias de que forças ocultas estariam agindo contra a ampliação do Leite Lopes. Vai ver que a força oculta atende pelo nome de falta de planejamento público para encontrar soluções de longo prazo.