A volta das manifestações

A volta das manifestações

Mesmo que tenham realidades muitos diferentes, três países da América Latina estão mergulhados em crises institucionais que contaminam a política e a economia. Mantendo uma velha tradição de instabilidade política na América do Sul, Venezuela, Argentina e Brasil enfrentam crises que podem ter graves desdobramentos econômicos e sociais. Entre os três, disparado, em situação mais grave encontra-se a Venezuela, que dá sinais visíveis do esgotamento populista governo bolivariano, criado pelo finado Hugo Chávez. Depois dos congelamentos forçados de preços, da adoção de medidas artificiais e dos confiscos do capital privado, a Venezuela está isolada. O pior dessas aventuras ditatoriais, que tem à frente um inexpressivo Nicolás Maduro, é que no final das contas o povo pobre e sofrido terá de conviver com a disparada inflacionária e o desabastecimento de produtos. O devaneio chavista, que criou uma retórica cheia de inimigos, começou no século passado (1999), durou 14 anos e, agora, os venezuelanos estão pagando a conta.

O segundo modelo populista que está naufragando é o da Argentina, projeto político ao pior estilo peronista, capitaneado pelo casal Kirchner, Néstor e Cristina. Mesmo colhendo maus resultados há muito tempo, a dobradinha está no poder desde 2003, ou seja, faz 11 anos que a dupla administra o país. Cristina está na presidência desde a morte de Néstor em 2010. Definitivamente, a caseira gestão conjugal não se revelou uma boa experiência para presidir um país que possui um histórico tão complicado como a Argentina. A dupla presidencial fez escola ao abusar de inúmeros golpes e malabarismos econômicos para esconder a grave crise que o país enfrenta, maquiando índices de inflação, limitando a compra dólares e intimidando a imprensa. O último golpe desferido na democracia Argentina foi o assassinato do promotor Alberto Nisman. A morte de um alto representante do poder judiciário, que responsabilizaria o governo por um atentado, configura um gravíssimo retrocesso político.

Além do legado da estabilidade econômica, o Plano Real deixou uma grande lição para o Brasil, para todos os partidos políticos e, principalmente, para os economistas. A globalização interligou as economias do mundo inteiro e não há mais lugar para malabarismos, truques, soluções improvisadas ou gestão temerária. A transparência econômica não brota mais da vontade própria, mas surge dos indicadores e dos mecanismos criados pelo mercado para proteger o capital. Qualquer investidor, seja ele grande ou pequeno, quer fugir do risco. Em boa parte, a retomada da economia americana explica a alta do dólar do Brasil.

Por 16 anos, de 1994 a 2010, o Brasil vinha caminhando bem do ponto de vista político e econômico. Parece que tinha aprendido a lição e deixado para trás os planos mirabolantes, as tentativas de atrelar o mercado, as mágicas para baixar preços de tarifas, as medidas conflitantes como os descontos inverossímeis nas tarifas de energia elétrica e a injustificada falta de reajuste na tabela do Imposto de Renda. O cidadão comum já aprendeu esse aprendizado faz tempo e traduz bem essa situação com a velha máxima: “não existe mais almoço grátis.” No português correto, seria não tem mais almoço gratuito.

Em campanhas eleitorais, quase todos os partidos e candidatos mentem deslavadamente, principalmente os que concorrem aos cargos executivos. Mesmo sabendo de antemão que o aumento será inevitável, políticos juram com as mãos juntas que não reajustarão o preço dos combustíveis. Afirmam que a situação está absolutamente controlada, quando todos os indicadores mostram o contrário.

Em outubro de 2014, a presidente Dilma Rousseff venceu legitimamente a eleição presidencial para governar o país até 2018. Até o presente momento, apesar das surpreendentes revelações que aparecem todos os dias no escândalo da Petrobras, não há nenhum fato que dê embasamento legal para um processo de impeachment. Todavia, o cidadão comum e o eleitor têm todo o direito de sentirem-se enganados e de protestar contra a situação atual. Por diversas vezes, a presidente disse que não haveria aumento de tarifas. O início do segundo mandato está muito pior do que o anterior. A economia está estagnada. Depois do ruidoso mensalão, a Câmara dos Deputados e o Senado agonizam diante de uma sucessão de escândalos que envolvem os presidentes das duas casas e dezenas de parlamentares. Os empresários das maiores construtoras do país estão presos e ameaçam fazer novas delações para se livrar de penas mais rigorosas. Há motivos de sobra para protestar contra os descalabros da política e a crise econômica que se aguça a cada dia. Desde que sejam pacíficas, as manifestações de protesto são legítimas para demonstrar que o povo está descontente com a situação atual. Veremos qual é o tom do clamor que vem das ruas.

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