Ativista do esporte

Ativista do esporte

Na era dos infrutíferos reality shows, há décadas que o programa “Roda Viva” da TV Cultura se apresenta como uma ilha solitária na televisão brasileira quando se leva em conta a relevância do conteúdo. Na segunda-feira, dia 16 de outubro, o convidado foi o ribeirãopretano Raí. Pela formação, currículo, capacidade de expressão e vivência internacional, o ex-atleta destoa da grande maioria dos ex-colegas de profissão. Os jogadores atuais possuem dificuldades de expressão, frequentemente fazem gestos obscenos para torcedores adversários, tiram a camisa do time e do patrocinador quando marcam um gol e abusam da malandragem durante o jogo. Decidido a ser um ativista da ética, Raí quer mudar a realidade brasileira através do esporte. Na linguagem moderna esse objetivo se traduz pelo termo “advocacy”, o lobby do bem exercido por pessoas influentes da sociedade.

Embora ainda não tenha decidido entrar na política partidária, o ex-jogador do São Paulo mantém fora do campo a mesma liderança e o mesmo reconhecimento que alcançou na época em que jogava futebol. Raí reúne algumas condições difíceis de encontrar. Além de ser famoso, possui independência financeira, fez cursos e estudou para se tornar um ativista das causas sociais. Tem ainda vivência internacional, conhece vários países do primeiro mundo que possuem modelos de gestão bem-sucedidos no esporte e na educação. No Brasil, hoje, extremamente carente de novas lideranças, são raras as pessoas que possuem esse perfil e que estejam dispostas a exercer essa militância em nome de um ideal. Em qualquer país do mundo, o ex-jogador da Seleção Brasileira ocuparia um cargo importante na hierarquia do esporte. Poderia ser secretário estadual ou municipal ou até mesmo presidir a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Qualquer governo minimamente íntegro teria alguém com o seu perfil no Ministério do Esporte.

Durante a entrevista, o ex-jogador que viveu muitos anos na França, jogando pelo Paris Saint Germain, mostrou-se bastante decepcionado e receoso com o Congresso Nacional e com dirigentes que comandam o esporte brasileiro. “De fora, a gente pensa que na política uma minoria manipula os interesses e os esquemas políticos. Quando se conhece Brasília mais de perto, percebemos que, na verdade, essa dominação é feita pela grande maioria”, declarou o ex-jogador que por ora descarta a participação partidária. Nas entrelinhas, deixou aberta a possibilidade de entrar nesse campo quando a realidade da política brasileira mudar um pouco.

Raí faz parte de uma entidade chamada “Atletas pelo Brasil”, uma organização sem fins lucrativos que reúne atletas e ex-atletas de diferentes gerações e modalidades pela melhoria do esporte e por avanços sociais. Fazem parte dessa entidade do terceiro setor Ana Mozer, Bernardinho, Cacá, Oscar Schmidt, Torben Grael, Hortência, Robert Scheidt e o zagueiro Paulo André num total de 60. Uma iniciativa bem-sucedida da ONG foi o Pacto Pelo Esporte, um acordo voluntário entre empresas patrocinadoras que objetivam contribuir para uma gestão profissional. Aos poucos, os investimentos do setor privado seriam aplicados em clubes, federações e confederações que adotarem práticas lícitas, com prestação de contas transparente, para evitar fraudes e garantir a destinação correta dos recursos.

No Roda Viva, Raí explicou que a entidade quer participar da elaboração de políticas públicas para garantir a determinação constitucional que estabelece que todo o cidadão e toda criança tem o direito à saúde, à educação e à prática esportiva. A título de exemplo, disse que todos os brasileiros, pelo uma vez na vida, deveriam ter o direito a uma experiência em uma piscina pública para testar a afinidade com a natação. Naquela hora, Raí nem imaginava que na sua cidade natal, na próspera e rica Ribeirão Preto, a piscina da Cava do Bosque, o principal equipamento aquático da cidade, estava sendo interditada. Por falta de produtos químicos e tratamento, a piscina ficou cheia de algas e adquiriu a mesma cor do Incrível Hulk. Por falta de manutenção, as aulas de natação foram suspensas. Raí e os atletas do Brasil terão uma longa jornada pela frente, mas, pelo menos, eles estão bem conscientes disso. 

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