As balas da perdição

As balas da perdição

Agosto, o mês do suicídio de Getúlio Vargas e da trágica renúncia de Jânio Quadros, chegou com o noticiário bastante carregado. Aos poucos, a longa crise política começa a provocar consequências danosas para a economia.

Caminhoneiros param rodovias por conta do aumento dos combustíveis. Em tom pausado, de forma bem lenta, para não escorregar nas palavras e tropeçar nos números, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, com o semblante sorumbático, anuncia que o governo não conseguirá cumprir o compromisso fiscal. Fugindo do economês, um rombo dessa envergadura, de R$ 139 bilhões, nunca deveria mesmo ser chamado de meta. Esse é um péssimo sinal para investidores e para o mercado sobre a saúde financeira do país. Acuado, o governo recorreu ao aumento dos impostos em um momento em que empresas e contribuintes não aguentam mais pagar tributos. A inadimplência subiu e nem o refinanciamento das dívidas para as empresas surtiu o efeito esperado. 

A Lava Jato continua fazendo prisões, mas a corrupção não diminui. A cada dia mais figurões da República são denunciados e presos. O último deles, Aldemir Bendini, indicado no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, preso por corrupção, teve sob sua responsabilidade duas das maiores estatais brasileiras: a Petrobras e o Banco do Brasil. O dinheiro do povo brasileiro não poderia estar em mãos mais impróprias. No meio da avalanche de processos, Sérgio Moro lança um SOS. Em entrevista à Folha de São Paulo, o juiz pediu ajuda à sociedade para não ficar sozinho na luta contra a corrupção. Reclama do silêncio das autoridades. Beneficiários diretos do sistema, os políticos não demonstram interesse em combater a corrupção e em momentos importantes contam com a complacência das altas cortes como ocorreu no julgamento da chapa Dilma-Temer que pela abundância de provas deveria ter sido cassada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

Quando o assunto são ex-presidentes, as notícias são as piores possíveis. Depois de anos de silêncio sepulcral, o operador Marcos Valério romperá o sigilo, abrindo o bico sobre o mensalão mineiro que vai respingar nos tucanos e em Fernando Henrique Cardoso. Com a condenação em primeira instância, o país descobriu que, além do sítio e do tríplex, o ex-presidente Lula tem um polpudo plano de previdência com uma generosa reserva de R$ 9 milhões. Algo para dar inveja aos aposentados. Pesquisa do Ibope revela que 80% dos brasileiros entendem que o presidente Michel Temer deveria ser processado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Nove entre dez brasileiros reprovam o seu governo que se sustenta comprando o voto de deputados. Mais patético do que isso, só mesmo a senadora Gleise Hoffamann que considera Nicolás Maduro um “democrata” que prende líderes de oposição, mata manifestantes e tenta instalar uma ditadura na Venezuela. 

Todas essas notícias são desalentadoras, mas nenhuma delas foi tão emblemática quanto a morte do bebê Arthur Cosme de Melo, atingido por um tiro quando ainda estava na barriga da mãe, em 30 de junho, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Os outros acontecimentos atingem partes e segmentos do país, sem que haja uma responsabilidade geral direta, mas o tiro em um bebê ainda na barriga da mãe evidencia, de forma clara, o espantoso grau que a violência alcançou. Não só pelas belezas naturais, o Rio de Janeiro não é um lugar qualquer. Já foi capital do país, portanto a violência não se instalou em um grotão do Brasil. A morte de Arthur, vítima de hemorragia, transformou-se na mais séria vergonha nacional dos últimos tempos. O bebê foi atingido por uma bala perdida, teve os dois pulmões perfurados, enquanto sua mãe, com 39 semanas, dirigia-se a um supermercado. Se não morresse, o menino corria o sério risco de ficar paraplégico, pois teve hemorragia cerebral e ossos estilhaçados. 

Não se sabe quem inventou a denominação “bala perdida”, mas para os governantes, principalmente do falido Estado do Rio Janeiro, a expressão foi uma sacada e tanto. Passa a falsa impressão de que a bala disparada não teve um dono e nem um alvo, mas todo mundo sabe que quem dispara uma arma sempre tem algum objetivo. Dizer que as balas que matam inocentes ainda na barriga da mãe são perdidas não passa de uma tentativa de isenção coletiva para cidadãos e governantes. No caso do menino Arthur, sem a descoberta da autoria do crime, essa lógica perversa prevalecerá, afinal de contas ficará tudo certo se os donos das balas perdidas nunca forem encontrados. Pensando bem, a expressão se aplica melhor em outro contexto. Olhando para a economia, para a política, para o noticiário e para a trágica morte do pequeno Arthur parece, mesmo, que o país inteiro está perdido no meio de um tiroteio generalizado. 

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