Buracos na autoestima

Buracos na autoestima

Houve um tempo no jornalismo local que os buracos não eram uma notícia prioritária. Apesar de provocarem um grande transtorno para quem estava próximo ou topava com eles no seu trajeto diário, eram casos isolados e não uma regra geral. Portanto, não se enquadravam no critério da gravidade jornalística que orienta a escolha das pautas. Às vezes, por insistência dos moradores, os veículos de comunicação eram compelidos a abrir espaço para o chamado jornalismo “comunitário”, que focava nesses problemas menores se comparado com as greves, com as notícias da economia ou com as intermináveis mazelas da política. Nas redações de outrora havia uma brincadeira entre pauteiros, chefes de reportagem e repórteres. Quando não havia nada de mais interessante para cobrir, quando nenhuma notícia relevante era encontrada, produzia-se uma reportagem para tapar o buraco do noticiário. 

Nada como um dia após o outro para mudar conceitos e rever práticas. De pauta menor, os buracos ganharam ares de tragédia municipal e, hoje, são destaque no noticiário local. Diariamente, as redações são inundadas com fotos, via rede social, mostrando o estado calamitoso em que se encontra a pavimentação urbana. Não é preciso mais sair às ruas à cata de buracos, agora eles são virtuais e onipresentes. Numa tragédia anunciada, desde fevereiro, três pessoas morreram por causa da pavimentação irregular de ruas e de avenidas de Ribeirão Preto. Em 2013, uma motociclista morreu ao cair em buraco na avenida Francisco Junqueira. A perda comoveu a cidade e se tornou um marco que denunciava a crescente deterioração do pavimento público. Representantes do Poder Legislativo pedem a decretação de um estado de calamidade pública para pedir socorro aos governos estadual e federal. 

Essa desalentadora realidade se tornou uma referência negativa e mede a capacidade de uma cidade para resolver problemas básicos. Partindo de uma exigência mínima que cada cidadão tem o direito de fazer, os municípios precisam reunir condições para tapar os buracos do seu território com certa dose de eficiência. Quem sai para visitar outra cidade qualquer, muito menor em população e em orçamento, logo percebe que o problema não existe em outras localidades com a proporção que alcançou em Ribeirão Preto. Brota um sentimento de vergonha quando um visitante chega à cidade. A buraqueira abalou até a autoestima do ribeirãopretano, que lamenta o estado de abandono em que a cidade se encontra.  

Desde que ganharam essa visibilidade, os buracos se mostraram resistentes a todas as tentativas que foram feitas, tornando-se um problema crônico que, agora, começa a produzir vítimas fatais com mais frequência. Quem acompanha a política em Ribeirão Preto sabe o que aconteceu no passado recente do município. Seis meses depois que a nova administração assumiu, o prazo de carência do eleitor está terminando. A cidade espera por soluções, mesmo que elas sejam paliativas e provisórias, como a operação tapa-buracos, que resolve uma situação emergencial, mas não soluciona o problema definitivamente.  

Nesse jogo de gato e rato com os buracos, no Facebook, a administração anuncia o recapeamento na rua Afonso Arinos, no bairro Jardim Bela Vista, com recursos economizados na licitação para recuperação do asfalto da Vila Seixas. Nos comentários a seguir do post da assessoria da Prefeitura, moradores pegam carona e apontam novos locais críticos. Além do Jardim Macedo, na rua Regina e nas adjacências, internautas denunciam que na esquina da avenida João Fiusa com a rua Chile está quase impossível de transitar. Outro morador pede para que a travessa Away nos Campos Elíesos não seja esquecida. A Prefeitura informa que a programação seguirá na Cidade Universitária e que já recapeou 22 km nos últimos seis meses. No total, os investimentos chegarão a R$ 27,2 milhões este ano. A situação ficou tão dramática que até o folclórico deputado federal Tiririca (PR) destinou R$ 500 mil para tapar os buracos de Ribeirão Preto.  Diante da enxurrada de críticas, a Prefeitura se defende dizendo que cobre 5 mil buracos por mês, mas isso não tem sido suficiente. Já tem gente pedindo a cabeça do secretário  de Obras e Infraestrutura, Luiz Pegoraro. A última vítima, Maria de Lourdes Feliciano, morreu ao cair em um buraco no Parque Ribeirão Preto, na zona oeste da cidade. O pior é que a Prefeitura já tinha sido avisada há dois meses sobre o perigo dessa situação. Se uma abrangente ação de urgência não ocorrer logo, os buracos nas ruas do município farão mais vítimas, atestando que apesar da fama, Ribeirão Preto ainda não recuperou a capacidade de resolver problemas básicos. 

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