Feliz no off-line

Feliz no off-line

Impulsionadas por uma gama infindável de aplicativos e de redes sociais, o tempo que as pessoas ficam conectadas à internet continua aumentando. Se os adultos são soberanos para decidir quantas horas do dia passarão atrelados aos dispositivos eletrônicos, já o mesmo não se pode dizer das crianças e dos adolescentes, teoricamente sob a tutela dos pais ou responsáveis. Virou um grande dilema. Os pais reclamam do exagero da conectividade dos filhos, mas são impotentes para estabelecer limites para o uso de celulares e de computadores. Nesse contexto, chamou atenção a atitude de uma mãe, Fernanda Kanner, que ousou cancelar todas as redes sociais da filha, Nina Rios, de 14 anos. A decisão surpreendente, polêmica e radical viralizou na internet e foi objeto de várias reportagens da imprensa.

A filha de Fernanda já possuía o sonho de consumo de milhares crianças, adolescentes e de famílias inteiras que se lançaram numa corrida desenfreada pela audiência, pelo reconhecimento e pelo dinheiro. Nina tinha alcançado a expressiva marca de 2 milhões de seguidores que ficaram sem entender o sumiço inesperado do Instagram e do Tiktok. Diante do alvoroço virtual, a mãe veio a público, no seu próprio Instagram, para explicar a retirada da filha das redes sociais, algo que contraria a lógica dos dias atuais. No começo do texto, Fernanda afirma que sua função de mãe não era ser “amiguinha” da filha e dos internautas dela, mas de responsável para tomar atitudes consideradas até mesmo chatas e desagradáveis. Iniciou a conversa com o papo de tia. “O carinho que vocês têm por ela é a coisa mais fofa, mas eu não acho saudável nem para um adulto e muito menos para uma adolescente basear as referências de autoconhecimento em feedback virtual”.

A mãe da “famosa” influencer prosseguiu dizendo que o mundo virtual cria ilusões e que isso atrapalha o processo de autodescobrimento que cada ser humano precisa experimentar. “Não quero que cresça acreditando que é esse personagem. Não quero ela divulgando roupas inflamáveis de poliéster made in China. Não quero minha filha se prestando a dancinhas diárias como se fosse um babuíno treinado. Acho divertido e megainsuficiente. Triste a geração em que isso justifica a fama”, observou a mãe, declarando que tem saudade do tempo em que era preciso ter algum talento para se destacar. Arrematou a explicação dizendo que não quer que a filha “se emocione com os biscoitos da internet (elogios por alguma postagem). Nem que se abale com as críticas de quem não conhece”.

A médica barrou a exposição precoce da filha nas redes sociais para mostrar que a vida virtual não pode ser mais importante do que a real. Na condição de fã número um, a mãe disse que Nina voltará às redes sociais quando tiver conteúdo interessante para dividir com as pessoas. Num comportamento típico da internet, alguns fãs não gostaram da atitude e ofenderam Fernanda nas redes sociais. Teve tréplica. “Para as crianças mal-educadas, fãs de Nina que me xingaram, desejo que seus pais apresentem vocês ao castigo e ao limite, coisas que vocês nunca viram na vida”.

Finalizou a exposição dizendo que “tiktoker” não deve ser a profissão de ninguém e que a fama não pode vir a qualquer custo. “Fama em rede social é o mesmo que ser rico no banco imobiliário”. A atitude corajosa de Fernanda Kanner teve tanta repercussão porque se contrapõe a uma tendência muito forte da atualidade. Por diversos motivos, parece que as crianças e os adolescentes de hoje não podem ser contrariados. As influências da internet nem sempre são positivas e muitas vezes são nocivas. Mesmo em tempos liberais, os especialistas alertam que os pais não podem abrir mão da prerrogativa da educação, se não quiserem ver os filhos mergulharem em mundos ilusórios e desconectados da vida real. No papo reto de Fernanda Kanner, primeiro é preciso ser feliz no mundo off-line.

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