A igualdade da previdência

A igualdade da previdência

Nenhum tema suscitou tantas controvérsias, nos últimos tempos, como a reforma da Previdência Social. Essa equação sempre foi complicada, porque se trata de uma gestão de longo prazo, em que os contribuintes de hoje são os aposentados de amanhã. O primeiro complicador tem a ver com a questão demográfica de um país com mais de 200 milhões de habitantes. No Brasil dos anos 60 e 70, havia uma população jovem que garantia o equilíbrio do sistema. Com o passar do tempo e o fim do bônus demográfico, a população foi envelhecendo. Na metade do século passado, a expectativa de vida do brasileiro andava ao redor dos 50 anos, hoje, para a felicidade geral da nação, a média já está em 75 anos, com tendência de elevação. Os velhinhos de 80 anos ou mais, gozando de boa saúde, já são onipresentes na sociedade atual.

Cerca de 80% dos gastos da previdência são destinados ao funcionalismo público cujas aposentadorias são maiores do que na iniciativa privada. A lógica impõe que o país faça uma reforma na previdência, pois os recursos que cobrem os rombos das contas públicas fazem muita falta em outras áreas, especialmente na saúde que se encontra em situação calamitosa.

A grande polêmica que tanto divide opiniões são os parâmetros que definirão as novas aposentadorias. É público e notório que o governo de Michel Temer está atolado até o pescoço com a corrupção, mas ideologizar o debate, infelizmente, não resolve o problema do déficit. O desvio de verbas se tornou algo intrínseco a todos os governos, o que varia é o grau. Independentemente da representatividade da atual administração, a reforma precisa ser feita, caso contrário o país vai quebrar como faliram no passado a Grécia, a Argentina e, na atualidade, os estados do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. Ninguém questionou a legitimidade dos governos anteriores de Fernando Henrique Cardoso e de Lula. Ambos ensaiaram reformas tímidas que não foram levadas adiante pelo medo do violento desgaste eleitoral. Na raiz desse problema está uma palavrinha de 10 letras: privilégio. 

Juízes, promotores, militares, policiais, funcionários públicos com salários elevados reagem de forma contundente à possibilidade de perderem as vantagens que desfrutam na vida ativa. Outras parcelas da sociedade querem que a previdência faça o acerto das distorções da carreira profissional. A Previdência no Brasil se transformou num grande fundo social a qual foi imputada a obrigação de corrigir as longas deturpações do mercado de trabalho. Se comprovadamente, as mulheres ganham menos que os homens exercendo as mesmas funções isso precisa ser corrigido no mercado. Se a jornada no campo é mais penosa, o trabalhador rural precisa ser melhor remunerado. Se o trabalho de policiais civis, militares e federais envolve alto risco, esses profissionais precisam ganhar uma remuneração compatível com a periculosidade da função.

Para instalar a justiça social, há que se pensar no todo em detrimento do particular. As regras da previdência deveriam ser únicas para todos, sem distinção. Se os estudos técnicos determinarem que o sistema atinge o ponto de equilíbrio com a aposentadoria aos 60, 62 ou 65 anos essa deve ser a regra que precisa ser estendida a todos os membros. Isso já ocorre em países com economias mais desenvolvidas. Se o teto que o sistema suporta coletivamente é de R$ 5.531,00 por mês, de contribuição e recebimento, esse é o limite que a Previdência Social deve pagar a todos, independentemente se o cidadão foi presidente, desembargador, coronel do exército, jornalista do senado ou trabalhador do campo.

A vantagem a mais, merecida ou não, não está no escopo da palavra social, mas da palavra complementar ou particular. Quem quiser manter a sua aposentadoria na faixa dos 60 ou 70 mil, casos de algumas carreiras do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, que pague por isso na forma de uma carteira privada. A Previdência Social não foi criada para fazer a correção de históricas injustiças sociais nem para perpetuar vantagens. Para ser justa e democrática,  deveria adotar as mesmas regras para funcionários públicos e da iniciativa privada, para homens e mulheres e para trabalhadores do campo e da cidade. As diferenciações das várias carreiras — importância social, periculosidade, insalubridade — devem ser tratadas no âmbito do trabalho na ativa. Querer que a Previdência Social sirva de guarda-chuva para corrigir todas as injustiças sociais é condenar o sistema a um regime de insolvência, de distorção e de injustiça social permanentes. 

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