Igualdade republicana

Igualdade republicana

Novamente, a agenda política e econômica do país está parando em função da votação da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer (PMDB) por formação de quadrilha, corrupção e obstrução à Justiça. Nesse mesmo período, a soberana Constituição de 1988, mesmo com as correções que precisam ser feitas, completou 29 anos no dia 5 de outubro. O texto constitucional serve para consagrar a organização social e política com estabelecimento das regras que todos os brasileiros devem respeitar, especialmente o presidente da República e os políticos.

Entre vários avanços, uma das leis mais importantes da Constituição se refere ao princípio da isonomia republicana, traduzida como a igualdade de todos perante a lei. Na prática, todos sabem que isso nunca havia funcionado. A Constituição de 1988 não foi a primeira, algumas antecessoras tinham viés autoritário e cerceador, mas o último texto tornou visível à população o princípio de que todos devem ser iguais perante a lei.

Essa noção de cidadania se manifesta claramente no resultado de uma pesquisa feita recentemente pelo Ibope. Cerca de 81% dos eleitores avaliam que os deputados deveriam aceitar a denúncia para que o peemedebista se torne réu no Supremo Tribunal Federal (STF), onde a mais alta corte do país examinaria a validade e a consistência das provas apresentadas. Uma fria análise preliminar revela que as denúncias contra o presidente Michel Temer são muito mais graves do que as que provocaram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Se Dilma pedalou, manipulou ilegalmente recursos com fins eleitoreiros, no caso de Temer as correrias foram bem maiores, com gente carregando malas pelas ruas e outras malas escondendo prêmio da mega-sena em apartamento clandestino. Contra o atual presidente pesam, ainda, delações e áudios estarrecedores, conversas escabrosas sobre obstrução de Justiça e compra do silêncio de presidiários mediante pagamento de propina. 

Os eleitores pesquisados pelo Ibope (79%) ainda são enfáticos na disposição republicana ao avaliarem que os deputados que votam contra a denúncia de Temer são “cúmplices da corrupção” e 73% concordam que esses parlamentares não deveriam ser reeleitos em 2018. Os principais ministros de Temer são alvos de pesadas denúncias, o que destruiu a credibilidade do governo. Apenas 7% dos eleitores alimentam alguma simpatia pelo presidente, que tem a pior avaliação desde a redemocratização do país.

Por outro lado, essa mesma sociedade que reprova de forma tão contundente a corrupção e os desmandos pouco ou quase nada fez para interferir nesse processo. Ao contrário das gigantescas manifestações do movimento pró-impeachment, partidos e entidades da sociedade civil preferiram assistir de camarote o festival de denúncias em que o executivo compra votos com cargos e liberação de verbas para permanecer no poder. Mais uma vez, o PSDB encarna a contradição do momento atual. Enquanto uma ala trabalha para derrubar o governo, a outra tem assento no ministério
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Ao que tudo indica, salvo por uma grande reviravolta perdulária, Temer será absolvido. Os parlamentares, em sua maioria, farão o que a maioria do eleitorado não quer. Desde que perceberam que a atual crise não teria um fim próximo, os agentes econômicos trataram de descolar a economia da política. Mudando uma antiga relação avaliadora, enquanto os indicadores econômicos sobem, a cotação do governo despenca. Mesmo com entradas e saídas das celas, as prisões do empresário Joesley Batista, do ex-governador Sérgio Cabral, do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e a ameaça de encarceramento que paira sobre as cabeças do ex-presidente Lula e de Aécio Neves mostram que o princípio consagrado pela Constituição de 1988, de que todos são iguais perante a lei, depois de quase 30 anos, é uma máxima republicana que, finalmente, está sendo posta em prática 

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