Indireta Já

Indireta Já

Os últimos episódios demonstram que o povo brasileiro, mais do que nunca, só pode confiar nas instituições, mesmo que elas não sejam perfeitas, e no que está escrito na Constituição. Os principais partidos do país e as principais lideranças se corromperam e hoje estão sendo desmascarados, um a um, pela Polícia Federal, pelo Ministério Público, pela imprensa, pelo Judiciário e pelo julgamento da opinião pública. Em todos os episódios as instituições foram testadas. Na época do impeachment de Dilma Rousseff, os partidários da ex-presidente diziam que os “vazamentos eram seletivos” e que a imprensa “era golpista”. O tempo comprova que a razão tem veracidade. As mesmas instituições que denunciaram as pedaladas do governo de Dilma e que explicitaram o seu envolvimento com a corrupção agora demonstram de forma cristalina que o presidente Michel Temer deve ser deposto. O mesmo pau que bateu em Chico agora ameaça derrubar Francisco.


Foi essa saudável ação conjunta das instituições que transformou em réus da política a ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula, o senador Aécio Neves e o presidente da República. Todos eles, lideranças multipartidárias, agora estão no olho do furacão chamado Lava-Jato. Apesar da recuperação econômica atual, o governo Temer padecia da falta de apoio popular. Para ocupar o atual cargo, Temer recebeu um voto decisivo, do ex-presidente Lula que o escolheu por duas vezes, para ser o vice de Dilma Rousseff. 


Por mais doloroso e traumático que seja para o país, a gravação que o empresário Joesley Batista fez, na calada noite, depõe contra a República e o presidente. O mais alto mandatário não pode sussurrar consentimento para um empresário criminoso que desviou o dinheiro público, corrompeu juízes e um procurador e se gaba de comprar o silêncio de um presidiário. Se Michel Temer não soubesse ou não fizesse parte desse submundo da corrupção, aquela conversa jamais teria existido às escondidas. Desqualificar a gravação sem explicar o conteúdo não passa de uma manjada estratégia de defesa. Dilma fez o exatamente o mesmo quando mandou “por fora” um documento oficial de posse para que Lula usasse “em caso de necessidade”. Flagrada no crime, na época, a ex-presidente alegou que a gravação era ilegal. 


Qual caminho tomar diante da interminável montanha de revelações? Temer, a exemplo de Dilma, afirmou que não renuncia, apesar das provas que se avolumam contra sua conduta nada republicana.  Qualquer que seja a saída, ela trará sérias consequências para a economia. O presidente pode ser cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pois as irregularidades da chapa Dilma-Temer são evidentes ou o presidente pode sofrer o impeachment pelo Congresso. Ambos são processos desgastantes, demorados e que paralisam a economia do país.


Diante de uma possível queda de Temer, existem dois caminhos. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, mais um enrolado na Lava-Jato, convoca uma eleição indireta em que não só os congressistas podem ser candidatos. Na outra alternativa, bastante simpática e de forte apelo popular, o Congresso aprova uma emenda constitucional para realizar eleição direta. Os últimos episódios demonstram que nem mesmo a eleição garante os avanços democráticos. Basta lembrar que as opções do segundo turno da eleição direta de 2014 eram Dilma e Aécio. Nesse momento de crise institucional, o cumprimento da constituição, com a supervisão da suprema corte, torna-se a única garantia da vitória da democracia. Tanto na eleição direta como na indireta, os partidos controlam o processo e indicam os candidatos. Se não sucumbir à tentação do atalho, o país vencerá mais uma etapa, reafirmando a lei que determina a eleição indireta, quando faltam menos de dois anos para o fim do mandato do vice-presidente que assumiu. 


A proposta de devolver o poder ao povo, através de uma eleição direta, soa tentadora, mas contraria o que está escrito na Constituição. Num momento de derrocada dos partidos, violar a ordem jurídica vigente, ao sabor da crise e dos interesses dos grupos políticos com maior força momentânea, numa sequência de arranjos eleitorais, pode comprometer a democracia e destruir a normalidade constitucional. Essa é a única garantia que resta para uma sociedade que almeja um dia chegar a um estágio de plena estabilidade política. Países latino-americanos já enveredaram por esse caminho dos arranjos de ocasião que num futuro próximo se revela desastroso.  


O cenário atual se apresenta como uma crise, mas em médio e em longo prazo a manutenção da ordem jurídica servirá para reafirmar a importância da lei e das instituições que garantem o funcionamento do país. Manobrar a Constituição a cada crise política que surge, significa desrespeitar a democracia. A lei maior do país determina a eleição indireta, feita pelo Congresso e que os cidadãos brasileiros com mais de 35 anos podem ser candidatos. Mais uma vez, é hora de, simplesmente, fazer valer o que foi escrito na Constituição de 1988. 

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