Jogada de malandro

Jogada de malandro

Além das prisões da lava-jato e das delações premiadas, o grande lance ético do Brasil dos últimos dias foi o comportamento corajoso do jogador Rodrigo Caio do São Paulo, que ao tomar uma atitude que, a priori parecia simples, expôs a inversão de valores que predomina no mundo do futebol. Na partida contra o Corinthians, o zagueiro corrigiu um erro do árbitro ao assumir que foi ele quem pisou, involuntariamente, no goleiro Renan e não o atacante Jô como pensara o árbitro Luiz Flávio de Oliveira que, equivocadamente, puniu o jogador do Corinthians com cartão amarelo. Dentro das quatro linhas, a honestidade ocupa uma faixa bem reduzida do campo.

Nesse reino, a malandragem não desqualifica o ser humano. Pelo contrário, quando a bola rola o gatuno manhoso simboliza a esperteza ilícita, uma habilidade que passa a ser venerada como virtude, pois abre os caminhos fraudulentos que podem tornar o time, o grupo e agremiação vitoriosos e bem-sucedidos, mesmo que para isso seja preciso enveredar pelos campos da desonestidade e da trapaça. Filosofia bem resumida pelo zagueiro Maicon do São Paulo: “prefiro ver a mãe dele chorando do que a minha”.  

No Brasil, o futebol é bem mais que um jogo, trata-se de uma paixão que emociona, diverte e, não raro, deixa a razão completamente cega. Também significa a possibilidade de ascensão social para chegar ao topo da fama e do sucesso. Os principais personagens dessa cultura que inspira os valores de sucessivas gerações são jogadores, dirigentes e treinadores, gente que, na maioria, não tem preparo suficiente para lidar com a grande exposição que a mídia provoca.

A atitude inesperada do jogador do São Paulo expôs a falta de ética do futebol, onde o que vale é vencer a qualquer preço, mesmo que para isso seja preciso trapacear, fraudar e enganar juízes e adversários. Vejam, por exemplo, a saia justa em que ficou o famoso técnico do São Paulo, Rogério Ceni, que se notabilizou pelas suas façanhas dentro de campo. Temeroso pela reação da torcida, o “mito” são-paulino não saiu em defesa da atitude íntegra do seu jogador. Dizem que, nos bastidores, reprovou com veemência o comportamento de seu zagueiro. Nessa toada, o Globo Esporte de São Paulo lançou uma campanha para valorizar a ética, mas por enquanto a atitude de Rodrigo Caio continua sendo uma jogada solitária.

No Rio Grande do Sul, o técnico de outra grande instituição deu aquele mau exemplo clássico que vem de cima. Num jogo de semifinal em Caxias, o técnico do Inter, Antônio Carlos Zago, que já tem no currículo uma acusação de racismo, simulou de forma vexatória e desnecessária, uma pretensa agressão por parte de um jogador do Caxias. Técnicos e jogadores esquecem que as partidas de hoje são filmadas por todos os ângulos, por mais de dez câmeras, que captam em alta definição e não deixam escapar nenhum lance dos malandros do futebol. Sem que percebam, os ídolos vão parar no banco dos réus.

Os jogadores do Corinthians, beneficiados pela atitude de Rodrigo Caio, que permitiu que o atacante Jô jogasse a segunda partida e até marcasse gol, tinham uma dívida moral com o são-paulino no jogo da volta. No entanto, isso não foi suficiente para dissuadir o paraguaio Romero a fazer uma atuação cinematográfica digna de um pastelão mexicano. Ao receber um tapa no peito, Romero rolou no campo como se tivesse levado um soco de um peso pesado do box.
Essa cultura da malandragem e as farsas no futebol são antigas.

O grande problema é que elas contaminam, principalmente, as novas gerações. Maradona, por exemplo, considerado um ídolo mundial, dá gargalhadas quando lembra que tirou os ingleses de uma copa com um escandaloso gol com a mão. A Copa Libertadores, maior competição esportiva das Américas, depõe contra a índole latino-americana, pois se transformou em uma universidade da malandragem. Nela, os jogadores se atiram no chão, fingem contusões e se especializaram em ensebar o jogo sujo.

A ética do futebol não tem nada a ver com a conduta que se aplica às relações familiares, ao mundo dos negócios ou à política? Evidentemente, não dá para se apresentar como um cidadão íntegro na sociedade e tornar-se um falsário dentro de campo ou um selvagem em um estádio de futebol. A conduta dos jogadores influencia a vida social. A crise política atual tem sua origem na dissolução da prática ética em todos os ambientes da vida. A cultura da esperteza e da vantagem em benefício próprio precisa ser combatida. O futebol poderia ser um ótimo instrumento para puxar essa transformação, uma pena que essa sucessão de pequenos delitos preste um desserviço à mudança política que a sociedade brasileira começa a colocar em prática via Lava Jato. 

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