Legado incompleto

Legado incompleto

Independentemente do legado que a Sevandija deixará, a operação, deflagrada em 1º de setembro do ano passado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, entrou para a história. Pela primeira vez, em 161 anos, um esquema de corrupção e de tráfico de influência, com grandes proporções, foi desbaratado na cidade. Informalmente, sabia-se que, apesar do progresso aparente, em pleno Século XXI, Ribeirão Preto funcionava como um fazendão iluminado, comandado por antigos coronéis. Um pouco antes de o escândalo estourar, por certeza da impunidade, até um envelope com dinheiro foi “esquecido” em um sofá da Prefeitura. 

Com as investigações, três esquemas de corrupção vieram à tona. Trinta e quatro pessoas foram denunciadas e nove estão presas, entre elas, a ex-prefeita Dárcy Vera e o ex-presidente da Câmara de Vereadores, Walter Gomes. Nove vereadores tiveram as carreiras políticas abreviadas pela Justiça e pelas urnas. Ex-secretários e advogados estão presos e sendo processados criminalmente. Mais dois esquemas estão sendo investigados, envolvendo a licitação das catracas para as escolas públicas e os apadrinhamentos políticos. O escândalo também atingiu o Sindicato dos Servidores Municipais, empresas prestadoras de serviço para a Prefeitura, e alguns advogados. Um dos delatores é o ex-presidente do Sindicato dos Servidores, Wagner Rodrigues. 

As filmagens, as conversas gravadas e os documentos apreendidos mostraram, de forma clara para a comunidade, que havia um esquema promíscuo entre a Prefeitura, parte da Câmara de Vereadores e as empresas contratadas. Essa engrenagem danosa para os cofres públicos era engraxada pela propina e pelo suborno que patrocinava políticos, empresários e agentes públicos.  Além dos imóveis e dos veículos, R$ 33 milhões foram bloqueados para ressarcir os cofres públicos, mas ninguém sabe ao certo quanto foi roubado.  Também não há garantias de que esses recursos, um dia, serão recuperados. Segundo “a bolsa de apostas”, hoje, uma parte desse dinheiro está circulando livremente pela Europa. 

O primeiro aniversário da Sevandija serve para uma reflexão sobre seus desdobramentos na política e na administração municipal, bem como para a própria imagem da cidade perante a opinião pública nacional.  A consequência imediata foi o afastamento de alguns barões que, por décadas, comandaram a política local com um poder quase absoluto, que não sucumbia à passagem do tempo. Imperava um antigo sistema de troca de favores que formava uma maioria intocável que manipulava as demandas políticas de acordo com os interesses particulares. Depois da prisão da ex-prefeita e do afastamento de ex-secretários, espera-se que a administração pública municipal retorne aos trilhos da ética e da legalidade.

Agora, a sociedade se volta para o trabalho da Justiça no julgamento das ações penais. Os acusados serão punidos ou pegarão penas brandas? Será possível recuperar a maior parte dos recursos desviados? A partir desse episódio, Ribeirão Preto vai começar uma nova era em que o cumprimento da lei prevalecerá? Sobre essas perguntas, um indicativo importante apareceu no caso de Waldyr Villela (PSD). Mesmo depois da Operação Sevandija e da pressão sobre a Câmara, o vereador foi flagrado usando indevidamente o carro e funcionários do Legislativo, além de exercer a medicina de forma ilegal. A própria lava-jato tem mostrado que os infratores não se intimidam facilmente. As prisões e os processos judiciais são ferramentas importantes para resgatar a moralidade, mas essas ações não são suficientes para inibir os ilícitos.  



Assim como um criminoso pode se regenerar, “pessoas de bem” podem terminar a vida atrás das grades. A política brasileira está cheia de exemplos dessas transformações para o bem e para o mal. O sistema público, no entanto, não pode ficar dependendo dessa subjetividade e precisa criar mecanismos de controle para que a honestidade se alie à  fiscalização rigorosa. Caso contrário, a desonestidade acaba contaminando pessoas cujos valores morais não são lá muitos sólidos. Por isso, com algumas décadas de atraso, a Prefeitura e a Câmara de Ribeirão Preto discutem a implantação de controladorias, ouvidorias e corregedorias. Todos esses “ias” são bem-vindos e absolutamente imprescindíveis para garantir que o dinheiro público cumpra a sua finalidade. Nessa discussão surgiram questionamentos sobre os valores que serão gastos para manter essas estruturas, mas pelas cifras dos escândalos atuais, uma única intervenção para impedir ou descobrir algum ilícito já terá feito o investimento valer a pena, com sobras. 

 

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