Livros e rock

Livros e rock

Costuma-se dizer que a vida no interior é pacata e que nunca acontece nada interessante. Não foi o que ocorreu nos dias 10 e 11 de junho. Em um único final de semana, a cidade foi palco de um dos maiores festivais de rock, reconhecido pelas principais bandas do país. Também teve o encerramento da Feira do Livro, uma das mais expressivas feiras a céu aberto do Brasil. De quebra, simbolicamente, a cidade ainda tomou posse definitiva do Theatro Pedro II, que foi transferido do Estado para o município. 

A Feira do Livro e o João Rock são irmãos culturais, música e poesia são formas de manifestações artísticas que se complementam. Muitas letras de músicas são poesias puras e  os melhores textos possuem uma sonoridade que toca até a alma. Quem encerrou a Feira do Livro, por exemplo, foi Arnaldo Antunes que se não fosse músico, na verdade, certamente seria um grande poeta. O ex-integrante dos Titãs cantou no show do Pedro II um de seus sucessos mais conhecidos desde que investiu na carreira solo. A letra de “A Casa É Sua” lembra muito aquela moradia engraçada criada pelo cantor e compositor Toquinho. Canta o Arnaldo que “não me falta casa, só falta ela ser um lar, não me falta o tempo que passa, só não dá mais para tanto esperar”. 

Na noite anterior ao show do Arnaldo Antunes no Pedro II, o veterano Zé Ramalho demonstrou no João Rock que o tempo e a idade são referências cada vez mais diluídas. Embalado pela energia do festival, cantou antigas canções que foram curtidas por um público heterogêneo dos 15 aos 60 anos. Uma das músicas que mais embalou a plateia foi uma canção de Raul Seixas, que morreu a uns 10 mil anos atrás, quando o pessoal que se acotovelava em frente ao palco Nordeste do João Rock ainda nem tinha sido concebido. A letra do “maluco beleza”, que se esforça para ser um sujeito normal, foi ao ar no mesmo fuso horário em que um dinossauro do rock fazia o público relembrar daquela fase áurea do rock dos anos 80 que vai e volta nos 17 anos de história do João Rock. Os gaúchos Engenheiros do Hawaii se dissolveram no tempo, mas deixaram no ar alguns versos líricos, conhecidos das novas e das gerações mais antigas. Só sobrou o vocalista Humberto Gessinger, considerado pela crítica um artista versátil. “Pra ser sincero, não espero que você, me perdoe, por ter perdido a calma, por ter vendido a alma, ao diabo.” Para provar que o rock é democrático, o remanescente dos engenheiros chamou o líder do Capital Inicial para cantar “Olhos Certos”, uma música ou uma poesia que diz que de nada adianta não ir ao encontro do tempo, pois ele virá onde você está.

A Feira do Livro, na 17ª edição, e o João Rock na 16ª, são dois atos de resistência de um movimento cultural ribeirãopretano sem dono, apartidário, que sobrevive durante quase duas décadas graças ao espírito empreendedor de algumas pessoas que conseguem transformar pequenos projetos em grandes realizações. Mesmo sendo realizado no espaço da Feapam, que não oferece condições adequadas para a realização de um evento desse porte, o João Rock, este ano, reuniu 55 mil pessoas que assistiram 19 atrações com artistas consagrados e talentos que estão surgindo. No balanço da Feira do Livro, foram 260 atividades realizadas e 130 autores presentes. Cerca de 180 mil pessoas participaram de salões de ideias, debates, saraus, oficinas, mediações de leitura, apresentações de músicas, teatro, performances, intervenções artísticas, relatos de histórias e espetáculos. A Feira recebeu a visita de escritores consagrados Nélida Piñon, Zuenir Ventura, Lya Luft, Luis Fernando Verissimo e Ignácio de Loyola Brandão, um defensor ardoroso da Feira do Livro de Ribeirão Preto. Em um país onde a corrupção campeia solta, o protesto do rock e a cultura que emana dos livros são ventos que empurram a esperança por dias melhores. 

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