A megafelicidade

A megafelicidade

Apesar das constantes desvalorizações da moeda, a palavra milhão não perde sua força e ecoa forte nas conversas do dia a dia. Na sociedade de consumo, onde há uma infindável corrida atrás de bens materiais, o ato de enriquecer, engodar a conta bancária, invariavelmente se confunde com a felicidade.  Quanto mais dinheiro uma pessoa tem, mais feliz ela é? A grande maioria das pessoas responde de forma negativa essa pergunta, mas isso não diminui a busca incessante por bens materiais onde se incluem casas, carros, aparelhos eletrônicos e produtos cada vez mais sofisticados. O aumento do número de investidores no mercado financeiro, por exemplo, demonstra que essas pessoas aplicam para ter segurança no futuro, uma velhice tranquila, desfrutar das comodidades da vida e de quebra, quem sabe, ser um pouco mais feliz com mais dinheiro na conta.  

Muitos filósofos de várias correntes dedicaram suas vidas tentando explicar a relação existente entre o dinheiro e a felicidade. A sabedoria popular entende que o dinheiro, por si só, não é sinônimo de felicidade, mas ajuda bastante. Isso talvez explique a correria que acontece toda vez que o prêmio da megasena fica acumulado. Recentemente, na semana em que o prêmio estava em R$ 90 milhões, não teve ganhador e a bolada subiu para tentadores R$ 120 milhões. Sonhar com tanto dinheiro no bolso faz até brotar um brilho diferente no rosto das pessoas. O apostador fica feliz só de pensar no prêmio e os mais otimistas começam a fazer as contas do que poderiam realizar caso fossem contemplados com a sorte grande.  Uma bolada dessas, de 10, 20 ou 30 milhões é capaz de fazer qualquer mortal mais feliz? Os menos apegados ao mundo material dizem que nem é preciso tanto. Bastariam dois ou três milhões para melhorar de vida, pagar as contas e ajudar algumas pessoas próximas mais necessitadas.

Não há dúvida de que um prêmio gordo da megasena pode virar a vida de qualquer pessoa de cabeça para baixo, às vezes, para pior. A história dos premiados está cheia de casos trágicos. Recentemente, saiu uma sentença do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro excluindo Adriana Ferreira de Almeida da herança deixada por Renê Senna. O ex-lavrador tinha as duas pernas amputadas e ganhou sozinho a megasena no valor de R$ 52 milhões. Adriana se aproximou de Renê quando ele ganhou o prêmio. A Polícia, o Ministério Público e a Justiça do Rio de Janeiro concluíram que ela mandou matar o companheiro para ficar com o dinheiro do prêmio.  O crime ocorreu em 2007 e Adriana foi condenada a 20 anos de prisão. Também deu confusão com os mais novos milionários da primeira mesagasena de abril que com um bolão dividiram o prêmio de R$ 122,6 milhões.  Cada um dos 22 novos milionários de uma empresa portuária de Santos ganhou R$ 2,7 milhões. Logo que a notícia se espalhou, os sortudos entraram em conflito com os colegas de trabalho que revelaram suas identidades nas redes sociais e para a imprensa. Todos os funcionários da empresa foram convidados a participar do bolão, mas muitos não entraram. Um dos funcionários que estava no grupo onde a aposta foi organizada contou que muita gente que não participou do bolão “ficou chorando sem parar ao descobrir que perdeu a chance de se tornar um milionário”. Um trauma para a vida toda.  

Talvez não exista conceito mais abstrato. A felicidade pode ser associada à saúde e à boa disposição com a vida, à tranquilidade, ao estado de espírito e à satisfação dos desejos. Nesse último quesito, o dinheiro até pode dar um empurrão, mas o estado emocional que gera a sensação de felicidade vem de dentro e não depende de fatores externos. Para o psiquiatra Sigmund Freud e outros pensadores, esse estado pleno de satisfação não passa de uma utopia. Quem depende do mundo real está sujeito aos fracassos e a impossibilidade de satisfazer a todos os desejos. Conquistas, vitórias e realizações são resultantes de uma trajetória que estabelece uma relação de causa e efeito, ato e consequência, esforço e conquista.  Ainda é preciso saber lidar com o fracasso e o sucesso. A “felicidade” que cai do céu, propiciada pela megasena, é um fato extraordinário com consequências difíceis de prever. Os casos de muitos ganhadores demonstram que a tranquilidade, o equilíbrio e a satisfação pessoal necessariamente não têm a ver com o saldo da conta bancária. Afinal, todo mundo conhece alguém que fica muito feliz pescando na beira de um rio, ouvindo música ou curtindo a própria solidão. É feliz que gosta de si mesmo e ainda consegue amar outros. E para viver dessa forma, não é preciso ganhar milhões na megasena. 

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