Não eram para ser assim

Não eram para ser assim

Embora o forte vínculo com o atual momento político do país, a série das 23h, exibida pela Rede Globo, “Os dias Eram Assim” teve uma repercussão abaixo do esperado. Segundo o Ibope, o folhetim apresentou números aquém de tramas como “Verdades Secretas”, de forte apelo sexual, e “Liberdade”. Desde 2011, quando a emissora lançou esse gênero de séries originais, o Astro alcançou média de quase 22 pontos, contra desempenho de 15 pontos, na grande São Paulo, da série atual. Na avaliação da crítica, a produção apresentou um conteúdo dramático frágil demais para abordar um tema pouco explorado e censurado em outros horários. Os estereótipos exagerados dos vilões, a falta de profundidade política e as perseguições mal engendradas são algumas das falhas apontadas na série. O maniqueísmo simplificado entre o bem e o mal deixou a produção superficial para retratar temas complexos. A Ditadura Militar (1964-1985) serve apenas de pano de fundo para o romance. 

Talvez pela falta de informação do público sobre esse triste período da história do país, os autores optaram por um didatismo rasteiro. A crítica não perdoa e nenhum detalhe escapa ainda mais quando se trata de produção da Globo. Uma das trilhas sonoras da série cometeu um deslize temporal, pois “Tempo Perdido” da Legião Urbana foi lançado em 1986, dois anos depois de 1984, o auge das Diretas Já. Por conta dessas deficiências, a série teve até agora uma fraca repercussão nas redes sociais, onde temas controversos como esse costumam causar polêmicas acaloradas e alavancar a audiência. 

Sempre que essas críticas surgem, os autores se defendem argumentando que a abordagem artística nada tem a ver com a reprodução fiel da realidade. Além do mais, a profundidade política divide a plateia. Por isso, os produtos da indústria do entretenimento são pasteurizados, conhecido como o “kitsch” da estética e da comunicação de massa. De qualquer forma, com imagens antigas dos grandes comícios das “Diretas Já” em Brasília, em São Paulo e no Rio Janeiro, “Os Dias Eram Assim” resgatam na memória dos espectadores de meia idade para cima a sensação nostálgica de um período em que a democracia foi restabelecida, apesar de a emenda Dante de Oliveira, que instituía as eleições diretas para presidente, ter sido derrotada na noite de 25 de abril de 1984. Quem não era daquela época fica sabendo que esse foi um dos maiores movimentos políticos e sociais da história do Brasil, respaldado por comícios gigantescos nas principais capitais do país. No entanto, as diretas foram rejeitadas porque 113 deputados do total de 513 parlamentares não compareceram à sessão. O presente e a história guardam semelhanças.  

Mais tarde, essa retomada da participação política seria vitoriosa. Os miliares deixaram o poder em 1985, a fatalidade fez com que o país tivesse que engolir José Sarney, do eterno PMDB, e as eleições diretas, finalmente, vieram em 1989. Diferente de agora, essa mobilização toda ocorreu porque a proposta de eleições diretas para presidente era quase consensual, uma aspiração nacional para intelectuais, artistas, sindicalistas e a maioria dos partidos políticos, exceto para algumas pessoas que diziam que o povo não sabia votar. Pela superficialidade na discussão política, a série retrata bem essa ingenuidade que havia na época. O eleitorado achava mesmo que a eleição do presidente da República seria a solução mágica de todos os males do país e que a missão política do cidadão estava terminada quando o maior mandatário da nação chegasse ao poder pelo voto popular.

Os capítulos seguintes da história são conhecidos. O povo teve de voltar às ruas para tirar Fernando Collor do poder, poucos brasileiros arriscariam colocar a mão no fogo por Fernando Henrique Cardoso e milhões de patriotas aguardam ansiosamente pela prisão de Lula que responde a vários processos na Lava-Jato. Sem saudades, Dilma Rousseff foi cassada deixando um rastro de destruição econômica do país. Por ora, Michel Temer, parece um antigo programa humorístico da Globo, “Balança, mas não cai”. Para uma descrição curta, Rodrigo Maia, o presidente da Câmara dos Deputados e o próximo na linha sucessória não inspira confiança. Será que com sua famigerada e execrada frase, o Rei Pelé estava certo quando disse que o povo não sabe votar e escolhe mal os seus representantes?

A frase reacionária de Pelé foi dita no contexto da ditadura, que proibia a participação popular nas eleições. Por ora, a democracia representativa é o melhor sistema, concede a liberdade de escolha, mas, pelo visto, também cobra o ônus de decisões equivocadas. Olhando sem paixão ideológica e partidária, esse curto período de 28 anos da história do Brasil, com cinco presidentes eleitos pelo voto (Fernando Collor, Fernando Henrique, Lula, Dilma Rousseff e agora Michel Temer) pode-se concluir que o eleitorado não foi muito feliz nas opções. Certamente, se as escolhas políticas do passado recente tivessem sido melhores, os dias de hoje não seriam assim tão duros e tão sofridos para a nação brasileira. 

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