Novos limites

Novos limites

Os tempos são de mudanças, mas também de um debate meio surdo que produz como resultados posições intolerantes e refratárias aos argumentos contrários. Com essa postura, a construção do entendimento vai demorar um pouco mais, mas será alcançado com a supremacia do que mais se aproxima da razão e da igualdade. O assédio sexual veio à baila com celebridades que passaram a relatar casos protagonizados por políticos influentes, apresentadores de TV e artistas famosos. Ficaram nus perante os olhos da opinião pública, o famoso ator norte-americano, Kevin Spacey, e o diretor de cinema, Harvey Weinsteins, ambos acusados de assédio sexual por atrizes famosas. Na versão brasileira dessa postura machista que permaneceu oculta durante séculos, foi desmascarado o galã de novelas, José Mayer, hoje confinado em algum freezer da Rede Globo.

Atitudes isoladas logo resultam em alguma ação mais organizada que apareceu de modo mais visível na cerimônia do Globo de Ouro em que atrizes vestidas de preto denunciaram casos de assédio na indústria cinematográfica. A apresentadora Oprah Winfrey fez um discurso contundente contra o machismo e o assédio, transformando a relação social, profissional e afetiva de homens e mulheres num grande debate mundial. Surgiu a hash tag “Me Too”, “eu também”, em que mulheres vítimas de abuso fazem denúncias no Twitter. Oprah ainda mencionou o fundo que arrecadou recursos para apoiar mulheres e homens que foram sexualmente assediados, agredidos ou abusados. A grande vitória da manifestação das atrizes foi colocar às claras um problema grave que sempre foi tratado como uma questão secundária, em que, frequentemente, as vítimas terminavam a história em situação pior do que a dos algozes. As mulheres assediadas eram condenadas ao silêncio, enquanto os agressores saiam alardeando mais uma conquista. 

Num mundo instantâneo com liberdade de manifestação, outras vozes foram ouvidas. Do outro lado do oceano, a icônica Catherine Deneuve, uma atriz francesa considerada modelo de elegância e beleza, uma das mais famosas estrelas do cinema, assinou um manifesto cuja tradução pode ser o famoso “não é bem assim”. O texto assinado por escritoras, atrizes e acadêmicas afirma que não se pode exagerar na dose da reação. A caça às bruxas ameaçaria a liberdade sexual duramente conquistada durante séculos. Um trecho do manifesto foi direto ao ponto ao afirmar que o “estupro é crime, mas que seduzir alguém, ainda que de forma insistente, não é”. Além de criticar os métodos das americanas, a ala feminista francesa, fazendo jus à verve libertária dos ancestrais, vislumbra no denuncismo exagerado um ataque dos inimigos da liberdade sexual.   

Libertinagem ou puritanismo? As contradições humanas não são fáceis de lidar e muito menos de julgar para estabelecer um padrão de comportamento. As reações sempre geram um pouco de confusão até que as condutas se estabilizem em atitudes socialmente aceitáveis, limitadas pela lei e pelos costumes de cada época. Não se pode menosprezar as consequências de um assédio, nem tampouco criminalizar qualquer conduta banal. Uma encarada mais direta de um desconhecido no meio da rua pode ser facilmente descartada com uma desviada no olhar. A mesma situação reproduzida no ambiente de trabalho tendo o chefe e uma subordinada como personagens ganha outra dimensão. Pelo mundo afora, o beijo no rosto tem diferentes significados. 

Depois de ficarem caladas por muito tempo, as mulheres resolveram denunciar as posturas machistas de homens que forçam relacionamentos baseados na ameaça, na agressão e até na violência. Outra discussão vai um pouco além da questão feminina e passa pela afirmação das minorias: o respeito pelo próximo em todas as suas dimensões. As invasões ao espaço alheio, caso do assédio não consentido, não estão mais sendo toleradas e agora são rechaçadas com veemência. Depois de séculos de predominância do coletivo, o Século XXI se apresenta como a era da afirmação do indivíduo nas suas mais variadas nuances, principalmente a sexual. Talvez seja novidade que esteja provocando tanto barulho, mesmo que as posições, às vezes, não sejam tão conflitantes, apenas defendem o mesmo interesse por ângulos diferentes. Esse debate não pode se restringir a uma guerra de manifestos. Cada uma a seu modo, americanas, francesas e brasileiras estão contribuindo para esse debate e abrindo o caminho para que um dia o mundo tenha uma convivência mais equilibrada e respeitosa entre os sexos, algo que, convenhamos, não é assim tão difícil de alcançar. Basta apenas que todos saibam e respeitem os limites. 

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