O direito de morrer

O direito de morrer

A vida tem tantos encantos, mas ninguém esquece que haverá o começo, o meio e o fim. Embora essa seja uma das únicas certezas inevitáveis, muitas pessoas preferem nem pensar sobre a morte para não atrair o azar e os maus presságios. A forte conotação religiosa da morte mistura a emoção e a racionalidade, o medo e o conformismo, a alienação e o desejo de se manter vivo. Ao mesmo tempo em que deseja a vida ardentemente, o ser humano sabe que não conseguirá fugir desse encontro marcado.

O século XXI já se notabiliza pelo tempo de afirmação das liberdades individuais e coletivas. A liberdade sexual, por exemplo, abriu as portas para mudanças na afetividade, nas formas de expressão do amor e na constituição das famílias. Os padrões absolutos de outrora não podem mais ser impostos, mesmo que sejam tradições arraigadas ou crenças religiosas. O que antes era tabu agora está no centro das discussões. Uma das mais recentes polêmicas envolve o direito de morrer quando o corpo sofre com alguma enfermidade grave ou pelas anomalias da idade avançada. 

Nessas horas, entram em cena os cuidados paliativos, as medidas assistenciais para o paciente portador de uma doença sem possibilidades de cura. A medicina se preocupa em proporcionar qualidade de vida e atenuar o sofrimento. Em 2012, o Conselho Federal de Medicina reconheceu o direito do paciente de anexar o testamento vital na ficha médica ou no prontuário, criando um vínculo entre o médico e o doente. Os representantes dos hospitais defendem que esse é um direito inalienável do paciente, expresso no testamento vital.  Entretanto, embora o poder Judiciário tenha reconhecido a constitucionalidade dessa resolução, que leva em conta o desejo do paciente para decidir sobre o tempo da sua existência, no Brasil, ao contrário do que ocorre em outros países, ainda não há uma legislação específica que garanta, juridicamente, a validade deste documento. 

A legislação brasileira não permite a eutanásia, a abreviação da vida de um paciente em estado terminal com a postura ativa ou inativa de um profissional de saúde, mesmo que haja um pedido do paciente. Por diversas vezes, essa situação aparece em reportagens de TV em que os aparelhos que mantém a vida de um paciente são desligados. Na Antiguidade, era comum a crueldade em que crianças nascidas com má formação genética eram abandonadas para morrer. Na Segunda Guerra Mundial, a eutanásia foi associada à eugenia do nazismo. Atualmente, Holanda e Bélgica adotaram legislações em que o paciente tem o direito de pedir o fim da própria vida, desde que a sua doença terminal se enquadre na legislação vigente. No Brasil, por ora, a eutanásia configura uma prática proibida, embora o testamento vital seja um documento importante que expressa a vontade do paciente a ser considerada pela comunidade médica.

Nessa importante discussão inicial, já se percebe uma mudança de visão, pois o paciente assume o protagonismo dessa difícil decisão. O testamento vital permite a expressão da vontade desde que ela esteja vinculada à ortotanásia, que significa a morte decorrente do processo natural. Ao diagnosticar o estado terminal do paciente, o médico permite que esse processo prossiga em vez de prolongar o estado de morte e de sofrimento, método conhecido como distanásia. Embora a comunidade médica conviva com uma enorme insegurança jurídica pela falta de uma legislação clara, a ortotanásia não se enquadra no Código Penal, pois o profissional não é obrigado a prolongar a vida, uma vez que o estado terminal já está configurado. 

Embora essa discussão já apareça na mídia, esse assunto, apesar da sua importância, continua relegado a um segundo plano. Não se fala sobre isso nos corredores dos hospitais ou dos tribunais. As circunstâncias que envolvem o direito de morrer ainda estão em um tímido processo de gestação, embora essa seja uma questão que desafia a ética da medicina. Ainda falta informação sobre o tema. Por isso, no próximo dia 11 de julho, às 19h, na sede da Associação dos Advogados de Ribeirão Preto (AARP), haverá um debate sobre o direito de morrer ou sobre as “diretivas antecipadas de vontade do paciente”, nome técnico dado pelo Conselho Federal de Medicina para testamento vital ou documento em que a pessoa, no pleno gozo de suas faculdades mentais, define cuidados, tratamentos e procedimentos que deseja ou não receber em caso de ser acometida por doença que ameace a vida, no momento em que esteja impossibilitada de manifestar livremente sua vontade. E você caro leitor, o que pensa sobre a polêmica? Gostaria de decidir sobre o momento, o dia e as circunstâncias em que gostaria de partir, de preferência, sem dor e sofrimento? 

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