O legado do pato manco

O legado do pato manco

Se o gato sempre se salva com as sete vidas, Michel Temer já se salvou três vezes. O presidente da República, envolto em denúncias de irregularidades no exercício do mandato, superou três tentativas de cassação, acusado de corrupção, formação de quadrilha e obstrução de Justiça. Apesar da fartura de provas, Temer se livrou de uma acusação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e barganhou com os deputados a absolvição em dois processos que tramitavam na Câmara. As duas votações foram bem divididas, mas a oposição não obteve o número suficiente de votos para afastar Temer do cargo e abrir um processo de cassação no Supremo Tribunal Federal que por sinal virou um capítulo à parte na intrincada política nacional. O bate-boca entre os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes escancarou o baixo nível das discussões, com falta de isenção, de imparcialidade e de objetividade de alguns dos integrantes do STF para julgar fatos e personagens relevantes do país.

Concluída a votação do segundo processo de impeachment, muitos colunistas  brasileiros saíram em busca de uma metáfora capaz de retratar e dar a dimensão da nova realidade política. O que mais apareceu foi a famosa e antiga expressão americana “lame duck”, ou “pato manco”, usada para designar o mandatário que permanece no cargo por direito, mas, que na prática, já não tem nenhuma ou pouca influência no cenário político. Uma das teorias sobre a origem da expressão revela que ela se originou na Bolsa de Valores de Londres, no século XVIII, em referência a um investidor que não pagou as dívidas e ficava exposto à pressão dos credores. A ave (e o político) com problemas torna-se presa fácil para os predadores.
Político vaidoso, em todas as manifestações sobre o desempenho do seu governo, Temer deixa claro que no futuro gostaria de ser lembrado por algum “legado”. Por isso, aposta todas as fichas no desempenho da economia. Ao contrário da  sua pretensão, a mesma mídia que associou a sua performance como gestor ao andar de um pato manco também está espraiando pela opinião pública que o governo se encaminha para um final melancólico à imagem e semelhança do governo do ex-presidente José Sarney, mais um campeão de impopularidade ao lado dos governos dos ex-presidentes, Fernando Collor e Dilma Rousseff.

Faltando um ano para as eleições e para o final do governo, os analistas também não acreditam que Temer tenha força política suficiente para fazer reformas políticas e econômicas importantes. A da Previdência, por exemplo, está cada vez mais distante do entendimento e do consenso. Contudo, não se pode esquecer que o Brasil é governado por um regime presidencialista que confere, ao chefe do poder executivo, uma caneta poderosa capaz de movimentar recursos enormes, empregar muita gente e mobilizar órgãos de comunicação que influenciam a opinião pública. Temer aposta todas as fichas nisso, que a recuperação da economia melhore sua popularidade que hoje ostenta os índices mais baixos em todas as pesquisas de avaliação.

No meio de tantas notícias ruins que demonstram a decomposição do serviço público, o crescimento da violência e a educação deficiente no ensino básico uma constatação surpreendeu: para sorte da sociedade brasileira, por pura necessidade, a economia se descolou da política. Os registros de indicadores positivos não serviram para melhorar a imagem do presidente que amarga uma rejeição de mais de 90%. Mesmo que precisem tapar os olhos e fechar o nariz, para os agentes econômicos é fundamental saber quem será o presidente até o final do ano. Sem segurança, o mercado não cresce. Sem investimento, o desemprego não retrocede. Depois de se livrar de três processos, ao que tudo indica, Temer, mesmo manqueteando muito, chegará ao final de 2018, a menos que, de uma hora para outra, o Geddel Vieira Lima resolva contar tudo o que sabe. Aí volta o impeachment, o processo de cassação...

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