O poder do Judiciário

O poder do Judiciário

O intenso e rápido processo de mudanças no Brasil parece não ter mesmo fim. Quebrando uma tradição secular, ricos, poderosos e políticos influentes começam a ser alcançados pelos braços da lei. A operação Lava Jato, deflagrada em março de 2013, mudou os rumos da política, da administração pública e também do Judiciário que também teve o seu desempenho acompanhado mais de perto. Hoje, a população se revolta quando a Justiça solta pessoas contra as quais existem provas robustas de crimes. Um caso típico é o do médico Roger Abdelmassih, acusado de estuprar dezenas de mulheres, que entrou e saiu da cadeia várias vezes. Membros de diversos órgãos de segurança costumam dizer que trabalham em vão, “pois a polícia prende e a Justiça solta”. O Judiciário se defende declarando que o juiz não faz a lei, apenas cumpre a legislação que, na maioria das vezes, impõe penas brandas demais. A Constituição (1988) que está em vigor foi elaborada em um período democrático. Então, quem é a mãe da impunidade?

A mudança pode ser vista também na chiadeira dos poderosos. O ex-presidente Lula, o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha se declararam injustiçados. “Reclamam de um complô, uma perseguição arquitetada por promotores e juízes apoiados pela mídia”. O ex-ministro do governo de Michel Temer, Geddel Vieira Lima, flagrado com R$ 51 milhões, através de seu advogado, ainda teve a ousadia de interpelar a Justiça para saber quem o havia denunciado. Uma declaração de Sérgio Cabral foi entendida como uma ameaça velada ao juiz federal do Rio de Janeiro, Marcelo Bretas.  

Analisando o trabalho do Judiciário nos últimos anos percebe-se uma mudança de atuação que ocorreu a partir do novo ordenamento jurídico estabelecido pela Constituição de 1988. Por todos os cantos do país, uma nova geração de promotores e de juízes parece disposta a tirar da palavra “Justiça” do limbo da abstração para tornar esse estado de direito em algo mais palpável e concreto. Embora os avanços sejam notórios, um longo caminho ainda precisa ser percorrido. 

Se os ricos e os poderosos começam a ser enquadrados, por outro lado, são raríssimos os casos de políticos com foro privilegiado condenados, apesar da extensa lista de processos. Se a famosa Vara Federal de Curitiba, comandada pelo juiz Sérgio Moro, tem sido célere para sentenciar processos, não há notícia sobre o desfecho de casos que envolvam eminências pardas com foro privilegiado, como o ex-presidente do Senado Renan Calheiros, que acumula uma extensa lista de processos não julgados no Supremo Tribunal Federal (STF).

Se as decisões de primeira e de segunda instâncias são mais rápidas com a digitalização dos processos, por outro lado, o desempenho da mais alta corte não corresponde à expectativa do país. A transmissão ao vivo das sessões escancarou um jogo de poder, de preferências políticas e de uma jurisprudência que muda conforme o réu, como muito bem declarou o ministro Luiz Barroso. Via de regra, as decisões do STF são confusas e pendulares. No momento, há um temor generalizado de que o Supremo Tribunal Federal reveja a própria decisão que determinou o cumprimento da pena a partir de uma sentença de segunda instância, o que será uma vitória dos acusados na Lava Jato e de todos aqueles que respondem a denúncias de corrupção no Judiciário.

A sociedade, que antes tinha o Judiciário como um poder distante, inalcançável, agora o acompanha mais de perto. Hoje, o cidadão comum já sabe o nome dos juízes que fazem parte da mais alta corte, conhece suas posições e até mesmo o seu voto em casos emblemáticos. Gilmar Mendes, por exemplo, ficou conhecido por sua proximidade com o senador tucano, Aécio Neves, e com o presidente Michel Temer e pela disposição para mandar soltar a grande maioria dos acusados. Nessa discussão ainda entram a revisão do código penal, civil e da legislação ambiental para citar apenas três áreas importantes. 

Nesta edição, a Revide faz uma apresentação da estrutura do Judiciário e dos serviços prestados por renomados escritórios de advocacia. Para muitas pessoas, o complexo funcionamento da Justiça ainda se apresenta como um universo a ser desbravado. Tem muita gente que ainda quer resolver conflitos judiciais na base do jeitinho. Esta edição da Revide tem esta finalidade: objetiva suprir um pouco dessa lacuna para que o Judiciário não seja visto como um poder apartado, mas como um instrumento acessível e  importante para a promoção da justiça social. 

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