O presidente encurralado

O presidente encurralado

O inimaginável aconteceu. Menos de um ano depois de afastar a ex-presidente Dilma Rousseff do poder por improbidade administrativa, o Brasil novamente está às voltas com um processo de impeachment do mais alto mandatário do país.

Há 25 anos, em agosto de 1992, a sociedade brasileira afastou o ex-presidente Fernando Collor por crime de responsabilidade. O “caçador de marajás” de Alagoas, conforme uma reportagem de capa da revista Veja, na verdade, nem chegou a ser cassado, pois renunciou antes para não perder os direitos políticos. Embora houvesse evidências enormes sobre a malversação do dinheiro público na famosa “Casa da Dinda”, Collor acabou inocentado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).  Numa reviravolta da história com final triste, depois de oito anos afastado, voltou à política pelos votos do povo alagoano. No epicentro da queda de Collor está um motivo que naquela época foi considerado extremamente grave, mas que hoje soa como algo prosaico ou como piada diante das cifras dos desvios atuais.

A prova documental, concreta era a quitação com recursos de caixa dois de um básico Fiat Elba, pago por PC Farias, o operador financeiro do ex-presidente que mais tarde seria assassinado em circunstâncias misteriosas. 

Além do governo desastroso, envolvido com a corrupção, que deixou a herança de 14 milhões de desempregados, Dilma Rousseff caiu por causa das famosas “pedaladas fiscais”, em que manipulou, com fins políticos, recursos públicos sem a autorização do Congresso Nacional. Para quem quis ver, o julgamento recente de Dilma e de Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostrou que as irregularidades eram bem maiores, mas os ministros do Tribunal fizeram vistas grossas e inocentaram a chapa. O processo eleitoral foi irrigado com dinheiro sujo, propinas e doações fraudulentas para a dobradinha vencedora e também para a chapa de Aécio Neves. Apesar de ser protagonista dessa corrupção toda, na delação premiada, o empresário Joesley Batista deu uma aula de política ao afirmar que sem “uma mudança no financiamento de campanha a sociedade brasileira continuará sendo enganada. Tanto faz se o candidato 1 ou se o candidato 2 vence a eleição. Ambos fazem parte do mesmo sistema e nada mudará”, sacramentou Joesley.

O pior que pode acontecer a um país cheio de problemas é o presidente virar refém de si mesmo, transforma-se no maior problema nacional. Atolado em denúncias de corrupção, alvo de constantes e diárias reportagens da imprensa, o governo Temer vai se decompondo dia após dia, lembrando muito o definhamento dos governos de Collor e de Dilma. A atual administração conta com uma reprovação esmagadora. Num caso sem precedentes na história do país, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) denúncia por corrupção passiva contra o presidente da República. Michel Temer (PMDB) conseguiu superar Dilma e Collor, algo que parecia impossível e se tornou o primeiro presidente denunciado no exercício do mandato.

O procurador sustenta, de maneira enfática, que “e em março e abril de 2017, com vontade livre e consciente, o presidente da República, Michel Temer, valendo-se de sua condição de chefe do Poder Executivo e liderança política nacional, recebeu para si, em unidade de desígnios e por intermédio de Rodrigo Santos da Rocha Loures, vantagem indevida de R$ 500 mil, ofertada por Joesley Batista, presidente da sociedade empresária J&F Investimentos S.A., cujo pagamento foi realizado pelo executivo da J&F Ricardo Saud”.

Não é necessário ser perito da Polícia Federal ou procurador da República para chegar a uma conclusão bastante óbvia diante das malas que correm pelas ruas. Quem ouve as gravações exaustivamente reproduzidas pela mídia percebe que um presidente minimamente sério, honesto e republicano, para ficar em quesitos básicos, jamais teria uma conversa daquele teor, na calada da noite, com um empresário sabidamente interessado em traficar influências dentro do governo. As denúncias contra o presidente atual são bem mais graves que as que serviram de base para o afastamento dos antecessores.

Embora esteja politicamente encurralado, o cargo confere a Temer o poder de barganhar a salvação, rifando a Floresta Amazônica, distribuindo empregos e se submetendo a interesses escusos que garantam votos. Suas últimas esperanças estão depositadas na frágil sustentação política de um Congresso desacreditado, que não representa o interesse das ruas. O desfecho desse processo depende do tempo e da manifestação da sociedade que, por enquanto, acompanha o processo em silêncio. Se a população se manifestar com vigor, o presidente perde o apoio político e a votação na Câmara dos Deputados. Diante do impasse, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez um apelo ingênuo, pedindo que Temer renuncie, algo que não fará. FHC poderia apelar ao próprio partido, pois o PSDB, o eterno fiel da balança, sempre demora muito para sair de cima de muro. 

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