O resgate do Daerp

O resgate do Daerp

A discussão entre o público e o privado é tão antiga quanto a própria humanidade e, de tempos em tempos, o debate se reacende mesmo que ninguém saiba exatamente o porquê. De uma hora para outra, sem motivo justificável, os boatos privatistas reaparecem, mesmo que não haja razões concretas. Qual empresa é melhor, a pública ou a privada? Os teóricos da área tem uma resposta pronta para esse dilema: depende da administração. Independentemente da sua natureza, pública ou privada, existem bons exemplos de gestão transparente, ética e lucrativa. O contrário também é verdadeiro. Embora, por razões óbvias, o Brasil não seja um exemplo mundial de boa administração pública, ainda assim, espécies raras sobrevivem. 

A Secretaria da Receita Federal do Brasil é um órgão subordinado ao Ministério da Fazenda, mas funciona como se fosse uma empresa pública independente. Possui um gestor, funcionários qualificados com nível superior e boa remuneração. Qualquer brasileiro em idade tributável sabe que a Receita Federal funciona bem para cobrar o contribuinte, algo que não ocorre na prestação de outros serviços públicos. Também existem universidades públicas reconhecidas internacionalmente, caso da USP. A Petrobras, antes de ser dilapidada pelos últimos governos petistas, também era uma empresa rentável e lucrativa, motivo de orgulho para os brasileiros. Na área privada, os bons exemplos são numerosos. O ranking de 2016, publicado pela Revista Exame, entre outras, elegeu como boas empresas a Klabin na área de manufatura, a Mapfre nos Seguros e a DHL no setor de transportes e logística. 

Em Ribeirão Preto, esse cenário se repete. Vira e mexe vem à tona uma onda de boatos sobre a lendária privatização do Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão Preto (Daerp), embora a atual administração, que acaba de assumir, não tenha tomado nenhuma iniciativa nesse sentido. Pelo contrário, o governo que completou dois meses de gestão tem defendido justamente o contrário. A não privatização do Daerp se insere naquele contexto de atividade essencial, de alto interesse público, no segmento de abastecimento de água e tratamento de esgoto. 

A não ser pelo fato de o governo municipal estar nas mãos dos tucanos do PSDB, partido com tradição privatista no país, não há, pelo menos por ora, nenhuma iniciativa concreta de privatizar o Daerp, algo que se viesse a ocorrer teria que passar por um amplo debate público. Mesmo assim, o tema serve de palanque e para a exploração política.

Recentemente, a Câmara de Vereadores, por iniciativa do vereador Bertinho Scandiuzzi, ironicamente do próprio PSDB, mobilizou-se contra algo que oficialmente não existe, a não ser nas grossas adutoras da especulação. Em depoimento na Câmara, o superintendente do Daerp, Afonso Reis Duarte, foi pressionado a assinar um termo de compromisso de que não privatizará a autarquia. Outros 25 vereadores assumiram publicamente o mesmo compromisso, embora isso não sirva rigorosamente para nada e não seja garantia nenhuma. Não cabe ao superintendente do Daerp definir essa questão, uma prerrogativa exclusiva de competência do prefeito que, oficialmente, nada declarou a esse respeito. Com relação a posição adotada pelos vereadores, o eleitor sabe muito bem que, dependendo das circunstâncias, políticos mudam de lado com extrema facilidade.

Mesmo sem privatização à vista, o órgão continua sendo notícia como um exemplo bem acabado de má administração pública. Se as gestões mais antigas não deixaram nenhuma herança brilhante, os oitos anos da administração da ex-prefeita, Dárcy Vera, liquidaram com a imagem e a gestão da autarquia que virou uma espécie de reduto oficial da corrupção, do desperdício de dinheiro público e do desrespeito ao contribuinte em uma área essencial para a manutenção da qualidade de vida. O Daerp foi e continua sendo um dos pivôs da Operação Sevandija que escancarou o pagamento de propinas e de desvios de verbas. Aqui há que se separar a responsabilidade dos gestores e dos funcionários que não podem ser culpados pela administração desastrosa.

A má qualidade do serviço prestado e a falta de planejamento da autarquia saltam aos olhos. Quase todo morador da cidade tem algo a reclamar. Trabalhando de forma apartada de outros setores da administração, o Daerp demora para consertar vazamentos, abre e não fecha buracos com rapidez, desperdiça anualmente milhões de litros de água e com frequência quebra ruas que foram recentemente recapeadas. Por onde passa deixa um rastro de serviço mal feito. O governo atual chegou ao poder com discurso de recuperação e de moralização. Resgatar a qualidade do serviço prestado pelo Daerp e a sua imagem perante a população certamente será um dos maiores desafios da atual administração e isso não tem nada a ver com a privatização. 

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