Os insustentáveis crimes da chapa

Os insustentáveis crimes da chapa

Inspirado na filosofia, no livro a “Insustentável Leveza do Ser”, o escritor checo Milan Kundera expõe em um personagem a contradição da liberdade humana e dos conflitos existenciais. A leveza em si seria uma visão não comprometida, meio disfarçada para defender a liberdade descompromissada que tanto atrai os seres humanos. A esquerda sempre combateu o existencialismo que considerava um desvio pequeno-burguês, contrário ao pensamento revolucionário. Num passado bem distante, os partidos de esquerda, inspirados nos bolcheviques, protagonistas da revolução russa de 2017, eram essencialmente pragmáticos. Possuíam objetivos bem definidos e não podiam se desviar deles. Os meios eram determinantes para o alcance dos fins. Havia um cuidado extremo com a política de alianças, que só eram feitas com base na ampla discussão de princípios, levando-se em conta afinidade ideológica. 

A analogia da obra do escritor checo se enquadra no momento atual. Em 1968, Kundera sonhou com a Primavera de Praga, esmagada pelos tanques russos. Talvez por isso seus romances tratam das escolhas e das grandes decepções. Logo que surgiu, no começo dos anos 80, o Partido dos Trabalhadores carregava no DNA esse viés ideológico, que o diferenciava das demais agremiações. O líder máximo veio de baixo e trazia na gênese a condição de migrante, pobre e trabalhador. Lula perdeu três eleições consecutivas em 1989, 1994 e 1998. As derrotas acachapantes fizeram com que descartasse de vez o pragmatismo partidário que até então estava na raiz dos partidos de esquerda. 

Depois da terceira derrota, houve uma significativa mudança de rumo e a sigla instituiu o vale-tudo partidário e eleitoral. O importante era chegar ao poder, não importava a que preço. Rapidamente, o PT foi seduzido pela possibilidade de ingressar na classe dominante. Vários episódios desta agenda eleitoral ilustram bem essa transição do descarrego ideológico para o aparelhamento do Estado em benefício próprio, tendo a distribuição de renda para os pobres como discurso de fachada. Em uma campanha eleitoral emblemática, Lula aceitou receber o apoio de Maluf, em uma visita à casa do líder do PP, que foi prefeito biônico da ditadura e, até então, uma figura execrada pelos petistas.

A partir daí vieram os apoios e as alianças com Antônio Carlos Magalhães, Renan Calheiros, os anões do orçamento, Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, Michel Temer e tantos outros políticos de passado comprometedor. Para ter esses aliados e chegar ao poder a qualquer preço, o partido deixou para trás qualquer resquício de ética e de ideologia. O epílogo dessa trajetória de oportunismo político o país assiste agora. Analisando apenas a última chapa, PT e PMDB são dois partidos que se merecem, pois construíram juntos um projeto político baseado na corrupção, no aparelhamento e   no loteamento do Estado. Além de roubarem bilhões de reais, praticamente reduziram às cinzas a democracia partidária do país.

Além das pedaladas e do desastre econômico, o governo da ex-presidente Dilma Rousseff manteve essa engrenagem da corrupção como comprova a interminável sucessão de delações. O governo de Michel Temer não passou de uma extensão, um prolongamento desse projeto criminoso que todos os dias é desmascarado pela imprensa, pelo Ministério Público e pela Justiça. Hoje, as acusações contra Michel Temer são mais graves que as apresentadas para a cassação de Dilma Rousseff. A chapa Dilma-Michel Temer representa a materialização eleitoral desse projeto político que concorreu financiado pela propina, pelo caixa dois e pelo dinheiro político. A conduta eleitoral dos dois partidos consubstanciada na chapa está eivada de irregularidades.  

Por mais doloroso que seja para seu povo e para a economia do país enfrentar dois processos de impeachment em menos de um ano, Dilma, Temer e a chapa precisam ser cassados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelo Congresso Nacional, pelo Judiciário e pela opinião pública brasileira. A democracia e a República estão acima de qualquer governo e a sociedade não pode aceitar o ilícito como regra. A cassação da chapa representa a volta da normalidade institucional.  

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