Ovos da intolerância

Ovos da intolerância

A campanha presidencial nem começou e a passagem do pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSC), por Ribeirão Preto, já rende polêmicas, ataques pelas redes sociais e um fato da crônica policial. Durante a visita a uma cafeteria da cidade, uma estudante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) jogou um ovo no deputado que registrou um boletim de ocorrência. Nas redes sociais, a militante assumiu a autoria da agressão ao parlamentar. O microcosmo político local dá uma prévia do que ocorrerá na próxima eleição presidencial, uma disputa que será das mais acirradas. Antes da popularização da internet, as participações eram mais restritas, limitadas aos marcos estabelecidos pela Justiça Eleitoral.

As manifestações se restringiam aos partidos e aos candidatos. Agora, o debate está aberto a todos que quiserem discutir. Pelo aspecto positivo, isso aumenta a democracia participativa, ou seja, cada cidadão tem espaço para dar a sua opinião. Sob outro enfoque, por ser algo novo, muita gente ainda não sabe usar essa liberdade com a devida responsabilidade que a manifestação pública exige.

A intolerância, seja ela política ou religiosa, tornou-se um dos grandes problemas atuais, razão maior dos conflitos entre países e até mesmo da interminável sucessão de ataques terroristas. A explosão de bombas configura a intolerância levada ao extremo. O deputado Jair Bolsonaro se apresenta como um candidato polêmico, representando a faixa mais conservadora do eleitorado. Ficou famoso desde o dia em que disse, em alto e bom som, que só não estuprava “a deputada gaúcha Maria do Rosário (PT) porque ela era feia”. Recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) manteve a condenação por danos morais aplicada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Bolsonaro terá que pagar R$ 10 mil de indenização para Maria do Rosário. 

Para concorrer à presidência, o parlamentar deve mudar de partido, sair do PSC e migrar para o Partido Ecológico Nacional (PEN). Segundo as pesquisas, Bolsonaro está bem cotado, com 15% das intenções de voto do eleitorado brasileiro, defendendo a volta dos militares ao poder e sendo contrário a qualquer iniciativa que promova relacionamentos homoafetivos. Em várias entrevistas, promete o uso da força para reprimir movimentos sociais.

Quem se opõe às ideias do deputado não pode sair por aí jogando ovos nos adversários, pois rebaixa o debate do campo das ideias para o da truculência. As doutrinas, as ideologias e as propostas são abstratas e não podem ser atingidas por objetos. Bolsonaro representa um segmento da sociedade brasileira que se identifica com as suas ideias, como demonstram claramente as pesquisas eleitorais. Além do mais, quem quer participar da política precisa abdicar do viés autoritário e assumir uma postura democrática. A democracia funciona como uma espécie de jogo em que uma série de regras precisa ser respeitada, entre elas, a convivência civilizada com adversários e o embate respeitoso para alcançar a supremacia política. 

Se pesquisar um pouco da história do seu próprio partido, a jovem militante descobrirá que, desde a proclamação da República, o PCdoB foi o partido mais perseguido por governos ditatoriais desde que Getúlio Vargas chegou ao poder, na década de 30. João Amazonas, Pedro Pomar, Maurício Grabois e os militantes da Guerrilha do Araguaia sofreram nas mãos de ditadores, foram duramente perseguidos e mortos. Até Jorge Amado e Graciliano Ramos foram perseguidos. Se hoje o Partido Comunista do Brasil está na legalidade foi porque contou com o apoio e a solidariedade de democratas, a maioria deles vinculado ao antigo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido onde a sigla esteve abrigada na época da clandestinidade. 

Portanto, sair jogando ovos em quem pensa diferente não constrói a diversidade, enfraquece a democracia e estimula a república do ódio. A militante do PCdoB defende uma ideologia, já tentou concorrer à vereadora e talvez tenha a oportunidade de usar a tribuna. Vai precisar desta data vênia se algum dia ela estiver fazendo um discurso defendendo a ideologia comunista. Se alguém jogar um ovo, será vítima da prática que ajudou a disseminar. Ficaria exposta ao mesmo tipo de intolerância que cometeu. Além de matar a fome de uma maneira bastante nutritiva, ovos são estruturas frágeis e fecundas, mas quando se rompem em locais e em circunstâncias impróprias podem provocar uma grande e odiosa meleca. 

Foto: reprodução/vídeo

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