Para lavar o sistema

Para lavar o sistema

Está em exibição nas salas de cinema de Ribeirão Preto, o filme “Polícia Federal – A Lei é para todos”, uma abordagem cinematográfica sobre a Lava Jato e as ações da Polícia Federal (PF). Como se trata de um tema atualíssimo, baseado em fatos reais, o filme gerou controvérsias e caiu na conhecida polarização que há duas décadas predomina na política brasileira. A leitura de um filme, mesmo que seja baseado em fatos reais, precisa ser feita com alguns descontos. Não se pode esquecer que a obra artística nunca será uma reprodução fiel da realidade, ainda mais de uma operação tão abrangente e longa como a Lava Jato, que em 45 capítulos acusou mais de 300 pessoas e desbaratou o maior esquema de corrupção conhecido da história do país. A ação da Polícia Federal e do Ministério Público contabiliza 165 condenações com 1.634 anos de penas. Já recuperou R$ 760 milhões do dinheiro desviado, aplicou 38 bilhões em multas para infratores e bloqueou R$ 3,2 bilhões dos bens dos envolvidos. 

A passagem desse furacão pela política nacional já dura mais de quatro anos. Não é à toa que hoje políticos de quase todos os partidos se juntam para tentar frear a operação que derrubou presidente, senador, governador, deputados e grandes empresários. A apreciação da arte tem a ver com a ideologia, as pessoas costumam gostar daquilo que vai ao encontro da sua maneira de pensar. Quem entende que a Lava Jato foi o fato de maior importância na história republicana recente verá com bons olhos o filme do diretor Marcelo Antunes. Quem considera que a Lava Jato faz perseguições seletivas contra políticos e partidos questionará a abordagem crítica do filme e ficará revoltado com a atuação de Ary Fontoura no papel de Lula.

Com um custo de R$ 16 milhões, financiado pela iniciativa privada, sem recursos públicos, “Polícia Federal – A Lei é para todos” é um filme político que toma o partido da Justiça e das ações desenvolvidas pela Polícia Federal. Relembra que foi a partir da prisão de um caminhão que transportava drogas no meio de palmitos, em março de 2014, que o esquema de corrupção veio à tona. Apareceram os doleiros que lavavam o dinheiro de políticos. O primeiro a cair foi Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, seguido por outros diretores da empresa que traficavam influências, promoviam fraudes em licitações e pagavam propinas para políticos do PT, do PP e do PMDB. As operações consequentes revelaram os gigantescos tentáculos da corrupção, alcançando outros partidos. Por uma benévola conspiração do destino, esses crimes foram parar nas mãos de procuradores ativos e do juiz Sérgio Moro que não engavetaram os processos.

Na primeira parte da anunciada trilogia, o filme desvela o envolvimento dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, incluindo o depoimento coercitivo de Lula e a tentativa de Dilma de nomear o ex-presidente para o ministério para que ele escapasse da primeira instância do juiz Sérgio Moro. O teaser do final aponta que o segundo filme será estrelado pelo PMDB do presidente Michel Temer. No avant-première já apareceu a cena em que o braço direito de Temer, o deputado Rodrigo Loures, aparece correndo assustado, carregando a mala com R$ 500 mil. Comparando os valores, será uma grande injustiça se as malas com R$ 51 milhões do ex-ministro Geddel Vieira Lima, braço esquerdo do atual presidente até bem pouco tempo, não tiverem uma participação especial na próxima fita.

Por uma opção do diretor e dos roteiristas, os créditos dessa operação foram colocados na conta da Polícia Federal, com uma discreta participação do juiz Sérgio Moro. Nesse thriller policial, os mocinhos do filme são os delegados da PF, que na época da ditadura era acusada de perseguir presos políticos. No último desfile de 7 de setembro foi a instituição mais aplaudida. Contudo, o cinema nacional ainda não domina a técnica do thriller. Quando os agentes sobem para prender o doleiro Alberto Youssef, em um hotel de São Luís, a porta fica inexplicavelmente desguarnecida, mas mesmo com essas falhas o filme serve para mostrar que o Brasil está mudando e não será mais o mesmo depois da Lava Jato, embora haja muita corrupção para ser varrida.

O jogo não está ganho. A vitória da operação depende das conclusões das investigações e do Judiciário, que oscila em suas decisões. Recentemente, a Justiça Eleitoral inocentou uma chapa presidencial por excessos de provas de corrupção. No momento, não há no país um projeto político partidário que possa se contrapor ao sistema e levar adiante a faxina política. Por ora, as esperanças de um Brasil menos corrupto recaem nas mangueiras da Lava Jato para realizar a necessária e a inadiável limpeza do sistema, apesar das reações contrárias. A mudança se concretizará quando o título do filme — a lei é para todos — deixar de ser uma obra de ficção do ideário republicano para se tornar uma realidade do cotidiano da sociedade brasileira. 

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