A política amadurecendo

A política amadurecendo

O tempo passa, mas a temperatura política do país continua alta, um dado positivo da atual realidade brasileira. A sociedade está adotando uma postura mais participativa e se mobiliza por reivindicações mais específicas e nem por isso menos relevantes. Aos poucos, os brasileiros estão descobrindo que sair às ruas pressiona os políticos e faz a diferença. Agora, não se trata da reivindicação binária, contra ou favor. Estão em pauta, no país, questões relevantes como a operação lava jato, a terceirização do trabalho nas empresas, o projeto que trata sobre o abuso de autoridade, a reforma da previdência e da política. Depois das manifestações que resultaram no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, uma parcela da população voltou às ruas no domingo (26/03) para defender a Lava Jato, pedir o fim do foro privilegiado, repudiar o voto em lista fechada e se posicionar contra o aumento do fundo partidário.

A grande imprensa do país considerou “acanhadas”, “esvaziadas” e até “fracassadas” as manifestações ocorridas em 120 cidades e em 21 capitais. Nesse caso, porém, a análise política não pode se restringir à frieza dos números. Não é preciso recorrer àquela roda-viva disforme de números divulgada por manifestantes e por órgãos de segurança para constatar que, quantitativamente, a participação do dia 26 de março ficou muito aquém dos protestos anteriores. Isso não tira o sentido e o significado dessa manifestação. Em Ribeirão Preto, tal qual aconteceu em 2014, em 2015 e em 2016, os manifestantes se concentraram na Praça XV. De acordo com os organizadores, o protesto reuniu cerca de 7 mil pessoas, mil segundo a Polícia Militar, um número bem inferior aos 40, 50 mil manifestantes que compareceram aos atos do ano passado.

Os números são importantes para dar uma dimensão real dos fatos, mas não são determinantes. Essa mobilização deixa como saldo a demonstração cabal de que temas nem tão abrangentes e com consequências mais subjetivas já despertam o interesse de uma parcela da população. A deposição de um presidente por corrupção ou a pressão para barrar um reajuste de tarifa são reivindicações palpáveis, com grandes e explícitos interesses em jogo. Portanto, mais fáceis de conseguirem adesão. Já os reflexos de uma reforma política se manifestam a médio e a longo prazos. No caso da reforma política, proposta no Congresso Nacional, se for aprovada, os políticos atuais reforçariam a perpetuação no poder.

Impulsionadas pelas redes sociais, de manifestação em manifestação, de panelaço em panelaço, o país vai recuperando a consciência política que estava se consolidando na década de 50 e nos anos anteriores ao golpe de 1964. Mesmo que seja aos poucos, com idas e vindas, a sociedade vai elevando o grau de maturidade. A ditadura militar interrompeu o processo de formação política da sociedade, pasteurizou a educação, tolheu a participação popular e instituiu o regime do medo e da censura.

A Lava Jato parece ser a bandeira que sintetiza o sentimento de desforra, de virada de jogo e o estado de indignação que tomou conta da sociedade contra a corrupção que corroeu a administração pública. Ao mesmo tempo em que se trata de um ato solitário, participar de uma passeata também é um ato coletivo que transcende a questão local para engrossar o coro da aspiração nacional. Embora distantes, um manifestante ribeirãopretano, gaúcho ou potiguar torna pública a insatisfação e defende uma espécie de ideal republicano que exige a punição igual para todos que cometeram crimes.

Sem a tutela dos partidos, entidades da sociedade civil como o “Vem Pra Rua” e o “Brasil Limpo” puxam essas manifestações que possuem um espontaneísmo imprevisível que pode se transformar em algo contundente e desestabilizador. Antenados em Brasília, os políticos espertos sabem que não se pode menosprezar a força que vem das ruas. Uma onda de protestos pode fazer o caldeirão político ferver novamente e retomar a profecia de uma velha milonga uruguaia: “que una gota con ser poco. Con otra se hace aguacero”. 

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