A política da benemerência

A política da benemerência

Waldyr Villela (PSD) foi o único vereador da base da ex-prefeita Darcy Vera que conseguiu se reeleger. Seus nove ex-colegas situacionistas foram flagrados pela Operação Sevandija, afastados dos mandatos e alijados nas urnas. Há quase um ano, as gravações da Polícia Federal escancararam, entre o Executivo e o Legislativo, o tráfico de influência, a compra de votos, os apadrinhamentos políticos e as fraudes em licitações. Permutavam-se votos na Câmara de Vereadores por empregos para cabos eleitorais. O nome de Villela não apareceu nas gravações e o vereador, apesar de quase não se manifestar no exercício do cargo, não teve dificuldades para se eleger pela quinta vez com 3.244 votos. Na primeira eleição que disputou em 2001, Villela obteve 4.096 votos, o que demonstrava possuir um eleitorado cativo.

Com as prisões e o conhecimento público das inúmeras irregularidades, esperava-se que o episódio traumático significasse um novo tempo e que os ventos do primado da ética e da transparência começassem a soprar na política local. Quando se analisa as denúncias que envolvem o afastamento do vereador Waldyr Villela, vem à tona a relação entre o candidato e o eleitor, um mercado onde o voto tem preço.  A escolha de um candidato deve se basear no interesse público ou no atendimento de demanda particular? As evidências demonstram que uma parte significativa dos votos no país é “comprada”, de forma direta ou indireta, apesar do cerco da legislação. O comércio do voto cresce, justamente, nos vazios deixados pela assistência social do Estado. Na elite, a corrupção envolve milhões, nas camadas de baixa renda troca-se o voto pela cura de uma dor de dente. 

Uma parte do eleitorado aprendeu que a cada dois anos alguém baterá na porta da sua casa, da sua empresa e dos espaços de convivência atrás de votos e que esta é uma ótima oportunidade para pedir as contrapartidas. Foi isso que o Waldyr Villela fez com maestria durante 16 anos diante da Justiça, da imprensa, do próprio meio político e dos olhos de quem mais quisesse ver. O vereador trocava votos por ajuda e não escondia isso. Dizia em alto e bom som que nas campanhas eleitorais, enquanto centenas de candidatos gastavam a sola do sapato para arrumar votos, ele não precisava sair de casa e nem fazer campanha. Bastava enviar uma cartinha com o seu número eleitoral para cobrar a fatura de um favor que já havia prestado.

Como essa fórmula sempre deu certo e nunca foi questionada, nem se preocupava em esconder as ilicitudes. Apesar de ser dentista, exercia a medicina de forma ilegal. O Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECO) afirma que o vereador utilizava um carro oficial e assessor pagos com dinheiro público para fazer a filantropia eleitoral. A benemerência privada rendia votos para a conquista da função pública. Para fechar o cerco dessa estratégia, acima de qualquer suspeita, a clínica clandestina, sem licença e interditada pela vigilância sanitária, estava camuflada pelo manto da religião, abrigada dentro de um centro espírita. Pode ser um milagre, mas até agora ninguém conseguiu explicar como o vereador possuía mais remédios que as farmácias da Prefeitura. O GAECO também apura se o vereador fazia uma espécie de rateio do salário dos assessores. 

Acusado de uso de documento falso, peculato (abuso da confiança pública), corrupção ativa e passiva, associação criminosa e exercício ilegal da profissão, Waldyr Villela foi afastado preventivamente pela Justiça. Nos últimos meses, o Judiciário tem interferido com mão pesada nas questões do Legislativo. O motivo para o afastamento sumário se fundamenta na possiblidade real de que Villela obstrua o trabalho da Justiça e suma com provas que, eventualmente, o incriminem nesse processo. Walter Gomes é o único ex-vereador denunciado que está preso justamente por isso. 

O lamentável episódio envolvendo Waldyr Villela não se trata de um caso isolado, particular, mas de uma distorção grave que afeta o sistema eleitoral brasileiro. Há uma antiética conivência tática entre alguns candidatos e uma parcela do eleitorado. A recente votação na Câmara dos Deputados do afastamento do presidente Michel Temer expôs essa mesma contradição que há séculos rebaixa a política brasileira à condição de balcão de negócios, favores e ajudas. A ineficiência do Estado abandona os desfavorecidos à própria sorte. As carências sociais do povo excluído se transformam em campo fértil para os agentes que se especializaram em fazer a ponte entre as demandas não atendidas e o benefício próprio. Isso resulta nessa famigerada política da benemerência que os espertos exploram muito bem para levar vantagem. 

Foto: Allan Ribeiro

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