Racismo em pauta

Racismo em pauta

A declaração racista do jornalista Willian Waack foi a notícia de maior repercussão no país nos últimos dias, superando as mortes de policiais no Rio de Janeiro, as prisões da Polícia Federal e o desfecho do Campeonato Brasileiro de futebol. No vídeo que circula na internet, o apresentador da Rede Globo fica incomodado com uma buzina durante a transmissão da posse do presidente Donald Trump, em novembro do ano passado, nos Estados Unidos. Embora a declaração não tenha ido ao ar, ela foi gravada por um ex-funcionário da Globo, que postou na internet. No vídeo, além dos palavrões, o jornalista diz que a buzina para atrapalhar a transmissão “é coisa de preto”. Mesmo que o fato tenha ocorrido há um ano, em sete horas, desde que o vídeo viralizou, a Globo afastou o jornalista do cargo de apresentador do Jornal da Globo até que a situação seja esclarecida. Waack, 65 anos, é um dos jornalistas mais prestigiados da empresa, mas sua situação ficou complicada e pode ser demitido. O jornalista disse que não se recorda do comentário, mas pediu desculpas àqueles que se sentiram ultrajados. Em nota, a emissora afirmou ser “visceralmente contra qualquer tipo de racismo em todas as suas formas e manifestações.”  

O episódio, com grande repercussão nas redes sociais, levanta questões novas e abrangentes sobre a atuação profissional dos comunicadores (jornalistas) e também sobre o comportamento público e privado e a relação dessas atitudes com o universo corporativo. O episódio adquiriu tamanha proporção porque Willian Waack é um jornalista famoso que trabalha na Rede Globo, a emissora mais visada do país. Além de serem mais frequentes, as denúncias contra comportamentos racistas ganharam mais espaço na sociedade, justamente pelo poder multiplicador das redes sociais. Há três anos, o goleiro Aranha, que na época jogava pelo Santos, foi vítima do racismo de uma torcedora do Grêmio que se arrependeu amargamente da atitude. Declarações racistas contra atores da Globo também tiveram grande repercussão. Há pouco tempo, a emissora abraçou a campanha “somos todos Maju”, quando a apresentadora do tempo sofreu um ataque racista no Facebook.

Esses episódios todos demonstram que o racismo velado, que antes passava batido, veio a público. As mídias sociais se encarregaram de tornar abrangentes as conversas corriqueiras que até então resvalavam de forma inconsequente pelas valas do preconceito. Mais uma vez, o problema não está na tecnologia e nem nas mídias, mas sim no teor das declarações. Em circunstâncias que podem ter desfecho contundente, a regra se aplica para o cidadão comum e para a estrela do jornalismo. O mesmo princípio se aplica ao uso abusivo dos palavrões em ambientes profissionais, sociais e familiares. Palavras possuem significado e, dependendo do contexto, ensejam ofensas, agressões, humilhações e discriminações. O racismo vai além disso e se caracteriza como um crime.

Muitos jornalistas saíram em defesa de Willian Waack, argumentando que toda a sua longa carreira não pode ser destruída por um comentário infeliz. De fato, todos possuem o direito de defesa e as penas precisam ser estabelecidas de acordo com a gravidade e a intencionalidade. Caberá à Globo, por exemplo, que denuncia e se declara contra qualquer atitude racista definir o futuro de seu funcionário. Lembrando que as pessoas não possuem vidas apartadas, pessoal, profissional e nas redes sociais. Em tempos de comunicação instantânea, todas elas estão interligadas. A linha que separa o público do privado, o anônimo do famoso, desapareceu, o que exige uma atenção maior para opiniões e comportamentos.

A propósito do imbróglio com Willian Waack, a ombudsman da Folha de São Paulo, Paula Cesarino Costa, assinalou na sua coluna do domingo, 12 de novembro, que o jornalista vive da credibilidade constituída por atos e por afirmações durante a sua carreira. O comentário racista revelou um aspecto da personalidade do jornalista que permite aos leitores questionar a sua prática profissional. Não se trata de defender o linchamento e as agressões que se registraram no Facebook ou em outras mídias sociais. Se o áudio captado fosse de um presidente, prefeito ou de um grande empresário, o vídeo também viraria notícia. A ombudsman da Folha concluiu observando que “um dos papéis da imprensa é revelar facetas incômodas dos personagens que investiga. Quando um dos seus repete comportamentos que condenariam em personalidades públicas, os grupos jornalísticos não podem se omitir, sob o risco de se tornarem cúmplices. A punição a Waack não deve ser comemorada. É sinal de alerta para todos os jornalistas.”  Dá para acrescentar que o alerta vermelho vale para todos cidadãos que indistintamente devem  se manter distantes das atitudes racistas, preconceituosas e homofóbicas. Com certeza, isso contribuirá para um mundo melhor e para que um dia o racismo seja algo superado. 

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