A república do fisiologismo

A república do fisiologismo

Mal começou o ano e a política brasileira, capitaneada pelo governo do presidente Michel Temer, já rende os primeiros escândalos. O ânimo do Ano Novo ainda nem tinha esfriado. Os desmandos se alternam entre as fraudes econômicas e a hipocrisia moral. Neste último quesito, o governo atual tem se superado na desfaçatez e na estratégia deliberada de afrontar a opinião pública. O último vexame público do governo foi a escolha da deputada, de nome significativo, Cristiane Brasil, filha do deputado Roberto Jefferson, para o cargo de ministra do Trabalho. Se não fosse trágico para a República de 205 milhões de brasileiros, o episódio da escolha da ministra até que poderia ser um quadro da Escolinha do Professor Raimundo. Mesmo tendo sido condenado e preso no mensalão, Roberto Jefferson faz parte daquela estirpe de políticos que consegue sobreviver apesar do passado corrupto. Na época em que esteve preso, não delatou seus pares e por isso quando saiu da cadeia recebeu como recompensa a presidência do PTB, um partido que num passado distante se apresentava como o maior defensor da classe trabalhadora. Ao PTB, membro da base do presidente Temer, cabe indicar o ministro, que no relato hilário de Jefferson aconteceu ao acaso, num encontro entre ele e o presidente, diante do impasse para a escolha de um nome. Temer teria dito na conversa dos dois:

— Jefferson, a sua filha não poderia ser ministra? Para a encenação ficar completa, só faltou o presidente do PTB dizer que nunca havia pensado nisso, mas fingindo cara de surpresa, prontamente disse que consultaria a filha. Qual foi a resposta? Para espanto geral, Cristiane Brasil aceitou prontamente. A desfaçatez foi tanta que o presidente do PTB e o presidente da República não se deram ao trabalho de combinar a farsa para que o episódio não se transformasse num deboche da opinião pública. Jefferson saiu da reunião dizendo que a escolha de sua filha para o Ministério do Trabalho foi uma opção do presidente. Em nota, o Palácio do Planalto deixou bem claro que a definição do nome era uma imposição do PTB, um pagamento de fatura por votações encomendadas. 

No capítulo seguinte dessa armação política, o tiro saiu pela culatra. Com a imposição do nome da filha para um ministério tão emblemático, que remete às raízes históricas do trabalhismo brasileiro, Jefferson pretendia recompor a sua imagem e a da sua família, irremediavelmente abalada pela prisão do mensalão. No entanto, uma reportagem demolidora do Jornal Nacional revelou que a nova ministra, por ironia do destino, é o que se poderia chamar de uma desrespeitadora contumaz dos direitos trabalhistas. Cristiane Brasil foi condenada na Justiça do Rio em um processo e fez acordo em outro. No primeiro, não assinou a carteira de trabalho de um motorista  que prestou serviços durante quatro anos. O reclamante Fernando Fernandes Dias ganhou a ação em primeira e em segunda instância. O valor foi fixado em R$ 60 mil. O motorista afirmou que não foi registrado e que trabalhava 15 horas por dia. Mesmo após a sentença, Cristiane Brasil não pagou a dívida e no currículo da deputada ainda constam denúncias de corrupção feitas pela Odebrecht. 

Dias depois, novas reportagens revelaram que outro motorista, que processou a deputada pelos mesmos motivos, falta de registro e jornada de trabalho excessiva, recebia os pagamentos do acordo firmado na Justiça do Trabalho através de uma assessora parlamentar. Do ponto de vista legal, essa triangulação é difícil de explicar. Diante da sucessão de escândalos, advogados do Rio de Janeiro entraram com ação popular na Justiça Federal para impedir a posse de Cristiane Brasil. O que era para ser um golpe de marketing de um pai e de uma filha envolvidos com a corrupção, com o aval do governo Michel Temer, tornou-se um desgastante vexame público. O episódio ocorreu logo no começo de 2018, numa época em que a economia e a política precisam apresentar resultados positivos.

A esse imbróglio se somou o caso do novo delegado do Detran de Minas Gerais, César Augusto Monteiro Alves Júnior, um infrator recordista com 120 pontos na carteira de motorista por excesso de velocidade. Qualquer governo com um mínimo de decência, trocaria o indicado diante de tamanha incompatibilidade entre o currículo do pretendente e o cargo pretendido. Além de uma afronta, as decisões representam aquele simbólico tapa na cara que as administrações públicas brasileiras frequentemente dão em seus eleitores e contribuintes. O pior é que esse fisiologismo antirrepublicano se espalha por todos os rincões. Vale lembrar que Ribeirão Preto já teve um diretor do Daerp que não pagava conta de água e tem uma Câmara de Vereadores onde os funcionários possuem próximos laços de parentesco. Um dia o Brasil ainda vira uma república. 

Compartilhar: