Sem tábua de salvação

Sem tábua de salvação

Por mais que os brasileiros soubessem que a corrupção domina a política, há muito tempo, difícil encontrar alguém que não ficou chocado com as revelações que a maior empreiteira do país fez em um acordo de delação premiada. Especialistas asseguraram que se trata da maior denúncia de corrupção já feita em países democráticos, superior, inclusive, a operação Mãos Limpas que combateu a máfia italiana. Só nessa primeira lista divulgada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, relator da Lava Jato, serão quase 100 políticos, empresários e agentes públicos investigados. O ministro determinou a abertura de inquéritos contra oito ministros do governo do presidente Michel Temer, além de 24 senadores e 39 deputados.

Diante da avalanche de informações, o cidadão brasileiro ficou meio atordoado, indignado com tanta roubalheira e até um pouco confuso para situar os personagens. Quem roubou o quê, em que data e quem estava junto? Já tem até um ranking dos maiores processados, bem sortido, liderado pelo ex-presidente Lula (PT), o senador Aécio Neves (PSDB) e o senador Homero Jucá (PMDB), todos com mais de cinco inquéritos para responder.

O quadro atual pode ser classificado como arrasador. Trata-se, apenas, do acordo de colaboração feito pela maior empreiteira do país, com 77 executivos. Contudo, o cartel liderado pelo empresário, Ricardo Pessoa, ainda tem mais oito empreiteiras. A delação da Odebrecht foi a mais rumorosa porque a Justiça descobriu uma área específica só para tratar da corrupção. Estima-se que só a empresa de Marcelo Odebrecht pagou mais de seis bilhões de reais em propinas nos últimos 10 anos.

Não há dúvidas de que acordos de delação valeram a pena para o país, pois possibilitaram essa grande faxina política, eleitoral, jurídica, empresarial, ética e moral que ainda está longe de terminar. Se não fosse o estouro da lava jato, muitos políticos tradicionais teriam vida longa. Estima-se que apenas 10% das verbas públicas desviadas sejam descobertas, nos outros 90% os corruptos saem ilesos.

Além de apontar os acusados de corrupção, o ministro Edson Fachin retirou o sigilo dos depoimentos, o que tornou públicos os áudios e os vídeos das confissões. TVs, emissoras de rádios e sites foram invadidos por uma onda de gravações que revelam a ganância, a hipocrisia, a desfaçatez, o cinismo e a desonestidade sem remorso que tomou conta da política e das empresas que realizavam negócios com o Estado. Algumas confissões foram verdadeiros atos de deboche. Nesse universo do submundo, até a propina era roubada. 

Os vídeos que circulam pelos celulares serão determinantes para que o eleitor tenha registro e não esqueça os nomes, os partidos e o perfil político e ideológico que se apoderaram do Estado nos últimos anos. Esses precisam entrar para a história. Se a memória do povo é fraca, a da internet precisa ter vida longa. Diante do colapso do sistema político atual, a pergunta que fica no ar refere-se ao futuro político, partidário e institucional do país. A imagem dos grandes partidos brasileiros foi destruída, casos do PT, PMDB, PSDB, PP e PSD e até dos que se diziam donos da moralidade, caso do PC do B. 

O Brasil não será o mesmo depois da Lava Jato e um novo sistema político terá que ser organizado, mudando o financiamento de campanhas, a legislação eleitoral e até mesmo a forma como as empresas fazem negócios com o setor público. Os políticos atuais não reúnem condições de levar esse processo adiante. Poucos nomes sobraram para a eleição de 2018, mas a máxima mais comprovada da política garante que o poder nunca fica vazio. Os políticos ensaiam um grande pacto, em que adversários históricos, casos do PT e do PSDB, que fragilizados pelas denúncias podem até se tornar aliados para salvar os próprios pescoços. Por ora, não há uma terceira força emergente. 

Muita gente acalenta o sonho que integrantes do judiciário, juízes e promotores, possam expandir a atuação para a política, tentando implantar um novo projeto de poder, de moral e de ética. Isso dificilmente dará certo, pois juízes e promotores agem de forma impositiva, sem muita inclinação para a negociação, algo essencial na política. Quando a política está fragilizada e transita pelo individualismo sem projeto, tornam-se grandes as chances que um outsider, muito comprometido com seu próprio projeto, arrebate a insatisfação das massas. A política entendida como a grande arte ou ciência para organizar o estado e a convivência das pessoas não tem, por ora, nenhuma tábua de salvação à vista. Vale lembrar que várias razões concorreram para o rebaixamento atual do sistema, entre elas, as omissões históricas da própria sociedade com relação ao voto e à fiscalização da própria política. 

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