1º de maio: dia do trabalho ou do trabalhador?

1º de maio: dia do trabalho ou do trabalhador?

A nossa relação com o trabalho começa desde cedo. Uma das primeiras perguntas que nos fazem quando somos crianças é: “o que você quer ser quando crescer?”. A visão romantizada do que é o trabalho nos leva a responder aquilo que se sonha: astronauta, bailarina, bombeiro, médico, professor etc. Na vida adulta, os caminhos que tomamos nem sempre são os que respondemos na nossa infância.

Fernando Coutinho Cotanda, doutor em Sociologia e coordenador do Grupo de Pesquisa Processos de Socialização, Trabalho e Crítica Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da UFRGS, coloca que o primeiro de maio é uma data escolhida como homenagem às lutas sindicais realizadas em 1886, em Chicago (EUA). Um dos principais objetivos daquelas manifestações foi a redução da jornada de trabalho para 8 horas, questão tratada pelas empresas e pelo governo, na época, como assunto de polícia. “No curso das mobilizações ocorreram muitos conflitos, mortes e prisões de trabalhadores”.

No Brasil, o 1º de Maio foi declarado feriado em 1925, considerado um dia de luta, protestos e crítica social. Entretanto, o governo Vargas transformou o “dia do trabalhador” em “dia do trabalho”, “esvaziando o seu conteúdo contestatório e o transformando em uma data de desfiles, celebrações e enaltecimento das políticas governamentais”, relata o professor Cotanda.

Mas afinal, o que é o trabalho e como ele se desenhou e continua se desenhando no Brasil? Visto como atividade degradante, desenvolvida por escravos, a origem da palavra trabalho remete a tripalium, que está associado à tortura. Atualmente, após dois anos do início da pandemia do Covid-19, já é possível perceber uma mudança em relação aos modos de trabalho, “em especial diante das transformações do mundo por meio da Era Digital, da automação dos processos produtivos e da Inteligência Artificial”, como coloca o doutor em Ciências Econômicas, professor da Faculdade de Ciências Econômicas (FCE) e integrante do Núcleo de Estudos em Economia Criativa e da Cultura (Neccult), André Moreira Cunha.

Em uma passado recente, a perda do vínculo empregatício, a informalidade, a precarização e a “uberização” do trabalho têm ganhado cada vez mais espaço e agravado as relações de trabalho. “O IBGE coloca que 23% da população brasileira ocupada é trabalhador por conta própria, o que significa: VIRE-SE. Desses, quase 80% não tem nenhuma formalização. É a categoria de ocupados que tem o rendimento médio mais baixo de toda a escala, é a condição precária de ganho de regularidade do trabalho, de incerteza em relação ao presente e ao futuro.

Esse trabalhador que não tem CNPJ, não contribui para a previdência e não tem nenhuma possibilidade de pensar no futuro. Hoje, após a implantação das reformas Trabalhista e Previdenciária, a situação se torna ainda mais precária. A incerteza é a única certeza da vida da grande massa dos trabalhadores no Brasil”, alerta Holzmann, doutora em Sociologia, professora do IFCH e pesquisadora sobre Sociologia do Trabalho.

Para o economista André Cunha, é preciso rediscutir a jornada de trabalho e a criação de renda universal, algo que está na agenda dos pesquisadores e do Banco Mundial. “Os empresários ‘ligados’ no futuro precisam pensar para além da produção, porque é preciso ter consumidores. A questão agora é como garantir uma renda mínima para a população e como financiar isso: rediscutir a distribuição de renda, redesenhar os sistemas tributários e as redes de proteção social e das formas de financiamento são tendências para o futuro pós Covid-19”, enumera ele.

Com a situação de mercado comprometida, devido aos efeitos da pandemia e de outros problemas que estão ocorrendo no mundo (como a guerra entre Rússia e Ucrânia, por exemplo), em especial em países como o Brasil, o aumento da desigualdade e da pobreza são inevitáveis. Por outro lado, o mundo pós pandemia pode servir como um grande laboratório para se testar novas relações de trabalho, novas tecnologias, sistemas mais eficientes e uma nova organização dos negócios. “O mercado de trabalho refletirá sobre as mudanças socioculturais que momentos como esse podem provocar. Há várias questões que vinham sendo discutidas antes e que agora precisam ter o debate reorganizado. As relações de trabalho precisam ser repensadas, mas ainda não sabemos o resultado disso” diz Cunha.

O medo de perder o emprego é algo que assombra quase todos os trabalhadores. Para o professor da Escola de Administração (EA) Cláudio Pinho Mazzilli, doutor em Ciência da Gestão e pesquisador sobre a qualidade de vida e sofrimento e prazer no trabalho, apesar de tudo que está acontecendo, é necessário se manter animado, ter fé, coragem, força e ir à luta.

O cenário de incerteza, medo e insegurança, agravados pela falta de uma política social consistente no Brasil, fazem com que esse 1º de Maio seja de reflexão. Tudo isso nos afeta enquanto trabalhadores, mas acima de tudo enquanto seres humanos. Mazzilli coloca que é preciso ter consciência sobre o valor do trabalho, que precisa ser reinventado constantemente. “Busque a criatividade, encontre força emocional no convívio com a família, veja como o outro também está sofrendo e trace estratégias todos os dias para sua sobrevivência. Aos poucos, compartilhando com os outros, estabeleceremos relações de confiança para lutar e superar esse momento”, sugere Mazzilli.

Além do medo de perder o emprego, temos um quadro de endividamento do povo brasileiro. Um dos motivos é que não sabemos ou não temos condições financeiras de poupar dinheiro para momentos de crise. Wendy Haddad Carraro, doutora em Economia do Desenvolvimento, professora da Faculdade de Ciências Econômicas e coordenadora do Projeto de Pesquisa e de Extensão “Educação Financeira para todos e para toda vida”, coloca que a Educação Financeira ainda é pouco explorada em toda estrutura educacional do Brasil. “Embora grande parte da população lide com dinheiro, o brasileiro não tem o costume de debater e elaborar o orçamento doméstico em conjunto com seus familiares. Até mesmo conversar com os amigos sobre suas finanças, muitas vezes, é visto como invasão de privacidade”, diz ela.

“Para quem não tem o costume de acompanhar e controlar os seus gastos e estabelecer um planejamento, essa é uma oportunidade para se organizar e ter um foco neste sentido. Para que o planejamento seja uma prática comum, é necessário fomentar a consciência financeira na população em geral. É um desafio, porque o indivíduo precisa querer, mas também precisa ser cativado. Precisa aprender que o controle financeiro é um aliado para sua segurança financeira”, explica a professora.
 

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