
Rebata o negacionismo climático com ciência
Lidar com o negacionismo climático faz parte do cotidiano de cientistas e jornalistas especializados no tema. Em meio à cobertura sobre a tragédia no Rio Grande do Sul, segundo Bárbara Therrie, matérias da Ecoa UOL relacionando o desastre à crise do clima receberam comentários supostamente embasados em dados científicos para contradizer a ligação entre os eventos.
Para combater a desinformação e impedir que informações incorretas ganhem espaço, a Ecoa UOL consultou cientistas e instituições respeitadas para responder às afirmações falsas. Na sequência serão apresentadas algumas conclusões, amparadas em dados científicos, sobre as duas principais questões abordadas:
1) Sim, a agropecuária intensiva tem efeito direto no aquecimento global: todas as atividades do ser humano emitem gases do efeito estufa na atmosfera. Globalmente, 73% das emissões vêm da queima de combustíveis fósseis. No Brasil, o agro é responsável por 75% das emissões, explica Alexandre Araújo Costa, cientista do Clima, professor titular do mestrado em climatologia da Universidade Estadual do Ceará (Uece).
A maior parte disso vem da modificação do uso do solo, ou seja, do desmatamento de biomas florestais para substituição por pastos e plantações. A derrubada das matas altera as emissões porque as árvores e plantas nativas são capazes de capturar e acumular gases.
Um estudo internacional que reuniu pesquisadores do Instituto de Física da USP (Ifusp) e da Unifesp observou que as emissões das florestas esfriam o clima e têm um papel importante na regulação da temperatura do planeta. Derrubando as florestas, o efeito resfriador se perde e o aquecimento global cresce.
2) Não, o aquecimento global não é um acontecimento natural do planeta: uma das afirmações mais populares entre os negacionistas climáticos é que o aquecimento global é algo natural, pois a oscilação da temperatura faz parte da natureza.
Os especialistas consultados por Ecoa explicam que a mudança climática tem um componente natural e um componente humano. "Na escala geológica, a mudança de clima é um processo natural – o aumento na concentração de CO2 e de temperatura já aconteceu no passado na ausência da raça humana. O caso mais recente teria sido a passagem para o Holoceno (há cerca de 11 mil anos atrás), onde os parâmetros orbitais da Terra mudaram naturalmente sem a influência humana", afirma José A. Marengo, climatologista e coordenador geral de pesquisa e desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (Cemaden/MCTI).
Porém, o que vemos desde a industrialização é que as atividades humanas se tornaram as maiores emissoras de gases de efeito estufa, acelerando e intensificando o processo natural do planeta. O resultado das gigantescas emissões humanas é o acúmulo dos gases de efeito de estufa na atmosfera, cujas concentrações de CO2 saltaram de 280 partes por milhão (ppm) nos tempos pré-industriais para 420 ppm hoje em dia; e a de metano, de 700 ppb para acima de 1900 ppb - apenas para citar os dois principais.
A matéria publicada pela Ecoa UOL também aborda o tema: como lidar com negacionistas climáticos?
De acordo com Karina Bruno Lima, doutoranda em Climatologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), existem diferentes graus de negacionismo. Em muitos casos, a pessoa tem dúvidas ou pode existir uma lacuna que foi preenchida pela desinformação. Se ela não entende como funciona o processo científico e acredita em qualquer conteúdo, vale a pena explicar e mandar bons artigos e referências. Muitas vezes isso já é suficiente para que ela repense – o que não quer dizer que ela vá mudar de ideia imediatamente.
"No entanto, se a pessoa não está disposta, desconfia de bases confiáveis (relatórios do IPCC, dados da Nasa etc), nega a ampla base que a ciência do clima vem construindo há mais de um século, acredita em teorias conspiratórias e entra em um debate sem o objetivo de aprender algo, provavelmente nada disso será efetivo. Geralmente esse tipo de negacionista climático está abraçado a um pacote de negacionismos diversos que está atrelado a questões políticas e ideológicas", afirma Karina.
Até mesmo pessoas conscientes sobre a questão climática podem cair em armadilhas como a de que nada pode ser feito para resolver a crise. Esse tipo de pensamento é imobilizador e prejudicial. "A indústria dos combustíveis fósseis investe em negacionismo há décadas. Antes era implantando a dúvida, hoje, como não é possível negar o aquecimento global e sua causa antropogênica (emissão de gases de efeito estufa, principalmente através da queima de combustíveis fósseis), as estratégias são outras: negar a urgência e tentar impor falsas soluções. Toda desinformação disfarçada de preocupação pode influenciar os indivíduos e contribuir para o negacionismo", alerta Karina.