Reforma tributária: uma visão realista e apartidária

Reforma tributária: uma visão realista e apartidária

Estamos, há alguns meses, encarando um problema sem precedentes na história recente da humanidade: a pandemia do Covid-19. A imensa maioria das pessoas físicas e jurídicas está enfrentando dificuldades gigantescas para sobreviver nesse cenário. Portanto, é importante que estejamos atentos a toda iniciativa que poderá influenciar a retomada do crescimento da economia do Brasil quando as coisas voltarem ao normal. Vale lembrar que muitos estudiosos afirmam que o normal não será como era antes, teremos um “novo normal”.

Dentre tais iniciativas, gostaria de destacar a reforma tributária. Obviamente, trata-se de um tema extremamente complexo, que possui várias variáveis. Portanto, para que possamos formar uma opinião consistente sobre o tema, é preciso que o conheçamos melhor. Acredito que tal opinião deve ser formada ouvindo a opinião de especialistas.

Diante disso, tomei a iniciativa de formular cinco dúvidas que eu tinha e enviar para dois advogados especializados em direito tributário responderem: Marcelo Viana Salomão e Rodrigo Forcenette, respectivamente, sócio presidente e sócio do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia, cuja sede fica em Ribeirão Preto SP. Seguem as perguntas que formulei e as respostas ipsis litteris que obtive, as quais presumo que tenham sido elaboradas de forma realista e apartidária.

1) Quais são as principais mudanças contempladas pela reforma tributária que está sendo proposta pelo Governo?
O Governo Federal enviou para o Congresso Nacional, no dia 21/07, projeto de lei ordinária visando a unificação dos tributos PIS/COFINS. Por meio do PL 3.887/20, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) seria criada com alíquota de 12%, incidindo de forma não-cumulativa, viabilizando o aproveitamento de créditos sobre bens e serviços adquiridos pelo contribuinte, afastando a tributação em cascata.
Há previsão de regimes distintos para determinadas atividades e produtos, como é o caso das instituições financeiras e afins, entidades de previdência e operadoras de planos de saúde, que ficam sujeitas à alíquota de 5,8%, mas permanecem no regime cumulativo. Não podem tomar e nem gerar crédito (clientes), mas há exclusões permitidas na confecção da base de cálculo.
Operações com combustíveis, gás, cigarros, ficam sujeitas à incidência monofásica, aplicando-se alíquotas diferenciadas.
Todo valor arrecadado será remetido para seguridade social (art. 125 do PL).
O projeto (CBS) tramitará em paralelo às PECs 45/19 (Câmara do Deputados) e 110/19 (Senado Federal), as quais buscam de forma mais efetiva a simplificação das obrigações tributárias mediante a criação de um imposto único (IBS/IVA respectivamente).
Tratando-se de projeto de lei ordinária, é necessário maioria simples em cada casa (Câmara/Senado) para aprovação, sendo remetida posteriormente para sanção do Presidente da República.

2) Essas mudanças possuem aspectos positivos e negativos? Quais os principais?
Há muitos pontos positivos e negativos a serem considerados.
A avaliação precisa dos efeitos da mudança, seus impactos econômicos, decorre de uma análise complexa, pois a contribuição, como dito, passa a ser NÃO CUMULATIVA, em um regime de créditos e débitos semelhante ao do ICMS. Ou seja, dependerá de cada situação, da forma de contratação/aquisição de bens e serviços. Folha de salários, pagamentos efetivados a pessoas físicas, convênio médico, por exemplo, não darão direito a crédito.
A alíquota, para empresas que estão no regime do LUCRO PRESUMIDO, subirá de 3,65% (PIS/COFINS) para 12%. Mas agora poderão tomar crédito de bens e serviços que adquirirem com incidência de CBS. 
As empresas sujeitas ao LUCRO REAL já estavam sujeitas a um regime não-cumulativo (em regra), mas mediante uma alíquota de 9,76%, com créditos tomados a partir de despesas, custos e investimentos taxativamente previstos.
Para quem está no SIMPLES NACIONAL, nada muda em tese. Darão crédito para seus clientes, destacando nos documentos fiscais que emitirem, nos termos a serem regulamentados pelo Comitê Gestor do Simples Nacional, o valor da CBS efetivamente cobrado na operação. 
Apesar da alegação de neutralidade defendida pelo Governo, para aquisições de bens e serviços de empresas optantes pelo Simples, acreditamos que ficarão em condições desvantajosas, pois quem está sujeito à CBS dará um crédito maior ao cliente (12%).
Acreditamos, assim, que o principal ponto negativo seria a nítida elevação da carga tributária para quase todos os setores.
O projeto, contudo, traz pontos positivos, como a isenção sobre exportações, produtos da cesta básica, prestação de serviços de saúde custeados pelo SUS, afasta antigas discussões objeto de judicialização, como exclusão do ICMS e ISS da base de cálculo, dos descontos incondicionais.
O sistema de não cumulatividade adotado está vinculado à tomada de créditos pelo simples destaque da CBS nos documentos fiscais, o que acaba sendo muito mais simples e objetivo se comparado aos modelos atuais (ICMS/IPI/PIS/COFINS).
Outra crítica que tem sido apresentada ao projeto está na imprevisão do conceito de bens e serviços, assunto ainda não pacificado pela jurisprudência de nossos Tribunais Superiores.
Não há, no tocantes às sanções, flexibilização para equívocos, erros cometidos pelos contribuintes, principalmente quando comprovado a inexistência de dolo, fraude e simulação.

3) Pelo fato de estarmos enfrentando uma pandemia, este é o momento certo para se tratar de reforma tributária?
Nada que aumente tributos para quem está em tremenda dificuldade faz sentido neste momento. Simplificações são mais que necessárias, mas aumento de carga tributária não!
O momento atípico como este que estamos vivendo não é o cenário ideal para discussões de projetos com tamanha envergadura. Não há margem para erros e precipitações, pois muitos setores estão em dificuldade, clamando por apoio governamental para retomada do crescimento, quando menos manutenção de suas atividades.
Em contrapartida, é preciso no mínimo manter (mas não aumentar) a arrecadação, para fazer face aos custos e investimentos públicos necessários ao bem comum, à satisfação dos interesses coletivos.

4) A reforma tributária, caso seja aprovada, poderá ajudar a economia do país a ser reerguer? De que forma?
Acreditamos que não, ao menos no tocante às alterações decorrentes do PL 3887/2020. Em um momento atípico como este que estamos vivendo, o projeto implicará em perda de energia e dificilmente será aprovado. Apesar de uma certa simplificação da legislação vigente, embora ainda complexa perto do que se aguardava, não apresenta qualquer possibilidade capaz de viabilizar a retomada do crescimento.
Haverá nítida elevação carga tributária para setores cruciais como educação, saúde, transporte, prestação de serviços em geral.

5) As empresas e as pessoas físicas, de forma geral, terão aumento ou redução na carga tributária que pagam atualmente? 
Certamente haverá aumento, visto que o projeto trabalha com alíquotas maiores que as praticadas atualmente, incidentes sobre o consumo. O consumidor final, assim, certamente assumirá o ônus decorrente da incidência.
Para que se tenha ideia de como seria natural o repasse deste custo ao consumidor final o setor de serviços terá o aumento que já apontamos para 12% e, para ele, não será permitido tomar crédito de seu maior custo que é a folha de salários, ou seja, para este setor a não-cumulatividade que busca a decantada neutralidade não ocorrerá.
É importante e salutar uma reforma tributária, mas é preciso cautela e que ela não implique em aumento de nossa gigantesca carga tributária.
 

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